tag:blogger.com,1999:blog-70194835225686290492024-02-06T20:57:34.802-08:00ANELITO DE OLIVEIRAliteratura e outros eventosANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.comBlogger161125tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-18478794154556604822019-03-21T19:55:00.002-07:002019-03-21T20:01:05.372-07:00ENTREVISTA | Conversa sobre James Baldwin<h2 style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYRLLUANnrhYvxfe6EAu8wVhHD9o3pEJgO5bgOHoyuzQwNrmbmbl9GUM0gM4rhLGPy6OLd1KW5Zd5w0iSQvXw-vIxR4AJlCLhQWnpIB64fkeZ_sDghtMsWxOX9GVxvSAbv5nVU418NsZk/s1600/james+baldwin.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1600" height="191" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYRLLUANnrhYvxfe6EAu8wVhHD9o3pEJgO5bgOHoyuzQwNrmbmbl9GUM0gM4rhLGPy6OLd1KW5Zd5w0iSQvXw-vIxR4AJlCLhQWnpIB64fkeZ_sDghtMsWxOX9GVxvSAbv5nVU418NsZk/s320/james+baldwin.jpg" width="320" /></a></h2>
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12.0pt;"><b>No início de fevereiro passado, recebi
mensagem, via Messenger, do repórter Carlos Andrei, do jornal O Tempo, diário produzido
em Belo Horizonte (MG), consultando-me sobre possibilidade de entrevista a
respeito do escritor negro James Baldwin (1924/1987). Sinalizei positivamente,
propus que a conversa fosse por escrito e, na sequência, respondi às perguntas
com toda boa vontade mesmo em meio a uma gama de atribulações, passando a esperar,
depois, que o material saísse na íntegra, na forma pergunta/resposta.
Infelizmente, saiu, muitos dias depois, apenas uma pequena matéria, com algumas
referências ao que eu procurei pontuar de modo a contribuir, tanto quanto
possível, para relacionar Baldwin às agruras do tempo presente. Em especial, quis
ressaltar a contribuição que a obra do romancista e ativista pode nos dar, por
exemplo, para o enfrentamento crítico da questão racial. Segue aqui, com leves correções,
o que, por questões compreensíveis em jornalismo profissional, não foi conveniente
à “grande imprensa” divulgar. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CARLOS ANDREI</span></b><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Desde o ano passado,
a obra de James Baldwin vem ganhando mais visibilidade em função do
documentário </span></i><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">Eu não sou seu negro (I am not your negro) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">e da adaptação de </i>Se a rua Beale falasse (If Beale street could
talk) <i style="mso-bidi-font-style: normal;">para os cinemas, com estreia no
Brasil em janeiro passado. Até então, como você percebe a circulação da ficção
dele? Estava restrita a um círculo de especialistas e poucos conhecedores?<o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">ANELITO DE OLIVEIRA </span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">Sim, Baldwin estava praticamente esquecido nas
últimas três décadas não só no Brasil, mas nos países falantes de língua
portuguesa, a começar por Portugal, onde sua obra voltou a circular ano passado
em novas traduções. O documentário "I am not your negro" fez ressurgir
o interesse pelo autor num momento em que antigas chagas voltaram a abalar a
vida social por toda parte, como o racismo contra negros, a misoginia e a
xenofobia. Creio que, desde os anos 1960, o interesse pela obra de Baldwin no
Brasil, em especial, foi relativamente pequeno, mesmo entre grupos
minoritários, como negros e lgbtqs, em razão da difícil relação entre
intelectuais de esquerda e os EUA, sempre percebido pelo prisma do
imperialismo. Ainda hoje não é fácil compreender que o fato de um autor ter
nascido num determinado país, escrever na língua oficial daquele país, não
significa que ele seja um mero reprodutor de preceitos ideológicos
característicos das elites daquele país.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ele viveu nos Estados Unidos num
momento em que os movimentos pelos direitos civis estavam em andamento. Pode-se
dizer que Baldwin se vale da literatura para contribuir para os debates e
reflexões que se fizeram em torno do combate ao racismo a partir desses
movimentos?<o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Baldwin pertence à linhagem de escritores-críticos, que praticam a
literatura não só com interesse estético, mas sobretudo com interesse político.
Sua obra não é o que se denomina vulgarmente como "literatura
engajada", empenhada na defesa de causas partidárias, ideológicas etc.
Trata-se de obra que, antes de mais nada, é fazer artístico de qualidade
extraordinária, em que a linguagem desponta como o dado mais importante. A
contribuição para o debate de temas como racismo, homossexualismo, misoginia e
desigualdade social se dá, em Baldwin, sem os estereótipos clássicos de todo
realismo, sem conversão da literatura em panfleto. A linguagem literária, com
seu estatuto polifônico, possibilita que Baldwin exponha a problemática de modo
sempre rico, sem os maniqueísmos simplistas comuns aos discursos dos movimentos
sociais.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA </span></b><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">Diversos autores
comentam como Baldwin antecipou discussões que depois seriam desenvolvidas em
outras áreas do conhecimento, como as ciências sociais, ao pensar o racismo não
desvinculado das intersecções entre gênero e sexualidade. É talvez justamente por
serem permeadas por essa visão que as obras dele vêm cada vez mais despertando
interesse?<o:p></o:p></span></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO </span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">Sem dúvida. O chamado "feminismo interseccional", que tem como
uma de suas principais representantes a estadunidense bell hooks (sic), tem
raízes evidentes na obra criativa e crítica de Baldwin. Se tomarmos um
personagem como Rufus, protagonista do romance "Terra estranha"
(Another country), vemos que a complexidade do racismo, segundo a perspectiva
baldwiniana, está relacionada a classe social e sexualidade, o que significa
que, para compreendermos o racismo, é preciso discutir classe e sexo. Na
personagem Ida, nesse mesmo livro, irmã de Rufus, o racismo se mostra conectado
a gênero, cultura, afeto, geografia etc, como um elo numa corrente social que
enreda todos os sujeitos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Por outro lado, enquanto o
escritor ainda era vivo, você acha que a obra dele pode ter sido recebida com
ressalvas, inclusive por integrantes do movimento negro? Você acha que ele se
situava numa posição muito delicada naquele momento?<o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Sim. Movimentos sociais constroem uma imagem ideal de seus
representados, o "seu" negro, a sua "mulher", o seu
"homossexual" etc. Trata-se de construção com finalidade política,
que visa afirmar uma identidade que é negada pelas forças reacionárias de uma sociedade,
processo que, obviamente, não pode lograr êxito sem determinação do tipo
"o negro é isso", "a mulher é isso", "o homossexual é
isso" etc. O mal-estar produzido por Baldwin, desde o início nos anos
1950, deveu-se a sua resistência a se enquadrar na imagem ideal de negro, pobre
e gay. Sua auto-imagem era de um homem, na acepção do humanismo filosófico
francês que estava em voga nos anos 1940, tempo decisivo no processo de
formação do autor de "Giovanni's room" (O quarto de Giovanni). Para
esse humanismo, professado por autores como Martin Heidegger, o homem se define
em termos interiores, de valores éticos e culturais, não em termos exteriores,
de valores econômicos, raciais, sexuais. Baldwin, como o personagem de Sidney
Poitier no filme "Adivinha quem vem para o jantar", queria ser
percebido como um homem, não apenas como um negro, o que faz dele um escritor
desprovido de quaisquer preconceitos, a começar pelo preconceito racial.
Disso resultou a reprovação radical de sua obra por Eldrigde Cleaver, membro
dos "Panteras negras", para quem Baldwin não passava de um adulador
de brancos - um equívoco grosseiro, claro. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Baldwin exilou-se na França. De
que forma essa experiência se reflete em seus livros, a seu ver?</i><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Baldwin passa a viver na França a partir de 1948, quando tinha 24 anos,
portanto. Segue o caminho de vários autores estadunidenses em direção à Europa,
a começar pelo pós-romântico Henry James no fim do século
XIX. Entre autores negros, Baldwin é o segundo célebre a se estabelecer
na França, tendo sido precedido por Richard Wright, autor do clássico
"Native son" (Filho nativo). Esse auto-exílio é decisivo no processo
criativo do romancista, como se vê tanto em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O
quarto de Giovanni</i> quanto em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Terra
estranha.</i> O distanciamento geográfico permite ao autor uma percepção aguda,
desmascaradora, da vida social estadunidense, sem que isso signifique uma
superestimação ingênua da França. Baldwin é exemplo notável de sujeito negro
que experienciou criticamente a condição diaspórica num momento em que, assim
como hoje, o mundo está mudando radicalmente de pele.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Se a rua Beale falasse <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sai agora
pela Companhia das Letras, junto com o filme. A obra aproxima-se das anteriores
ao abordar a questão do racismo, certo? Mas você acha que ela também traz
outros aspectos que em romances predecessores Baldwin ainda não havia abordado?<o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> O modo como Baldwin explora a questão racial é sempre dialético,
centrado nas contradições que envolvem a experiência social do negro
estadunidense. Não se trata de abordar o negro para o negro, digamos, mas o
negro em relação com o não-negro e com as esferas de poder. O romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Se a rua Beale falasse</i> explora uma das
relações mais dramáticas da experiência social do negro por toda parte, não só
nos EUA, que é a relação com o poder judiciário. O racismo arraigado na
"forma jurídica", para lembrar Foucault, é o acréscimo
considerável que a obra apresenta em relação à produção anterior do
autor: a lei é branca.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">De que forma você acha que as
narrativas do escritor podem reverberar no Brasil de hoje? E por que elas
seguem pertinentes no presente?<o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> O Brasil de hoje é desenvergonhadamente racista. Temos um presidente
que se elegeu alardeando seu racismo. Políticas de promoção da igualdade
racial, como cotas nas universidades públicas e reconhecimento de terras
quilombolas, praticadas pelos governos petistas, turbinaram o ódio aos negros
que, no fundo, sempre foi cultivado pelas elites "escandinavas"
brasileiras. Por outro lado, a matança de lgbtqs e mulheres segue em alta por
toda parte no país, também com a autorização do governo defensor da família, da
ordem e das armas. Neste país da idade das trevas, a obra de James Baldwin soa
providencial, inspiradora para a luta necessária contra o racismo, a homofobia
e o feminicidio, uma luta que não pode ser travada, evidentemente, no vácuo,
sem referências diversas, inclusive literária. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">CA</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Há algum texto específico dele
que você gostaria de ver publicado aqui no Brasil, caso ainda não tenha sido
traduzido?</i><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-size: 12.0pt;">AO</span></b><span style="color: black; font-size: 12.0pt;"> Além de grande romancista, Baldwin foi poeta, dramaturgo e
extraordinário ensaísta, autor de obras que tiveram um impacto enorme nos EUA
da década de 1960 e pautaram a luta pelos direitos civis do povo negro. Uma
coletânea de ensaios fundamental, inclusive para se compreender a obra
romanesca do autor, é <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Notes of a native
son</i> (Observações de um filho nativo).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<br />ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-33907013424200475932016-06-19T19:03:00.004-07:002016-06-19T19:17:35.849-07:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 8pt; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 107%;"><b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">A crise e o PT</span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Constitui lugar mais que comum
dizer que temos uma dificuldade enorme de analisar o tempo presente. Essa
dificuldade decorre do fato de que, enquanto seres vivos num determinado
presente, vemo-nos implicados, claro, nesse presente. Estamos envolvidos, de
uma forma ou de outra, nos acontecimentos que se apresentam à nossa frente,
somos também responsáveis por esses acontecimentos, partes interessadas nos
processos sociais. Não temos o “distanciamento crítico” que, por força de certa
lei científica, considera-se indispensável à eficácia e mesmo credibilidade de
toda análise. Então, quando, movidos especialmente pela angústia que esses
acontecimentos presentes nos acarretam, decidimos analisar o presente, o
próprio tempo que estamos vivendo, afrontamos essa premissa de “distanciamento
crítico”. Colocamos em questão a própria ideia positivista de ciência, que impõe
o “distanciamento crítico”, e afirmamos a experiência histórica, a que tivemos
e temos, como parâmetro de análise. O que resulta dessa análise não é, não pode
sequer desejar sê-lo, a verdade absoluta sobre o presente. Mas isso não quer
dizer, por outro lado, que se trata de uma verdade meramente relativa, de um
ponto de vista pessoal. Trata-se de uma narrativa, com seus elementos
plausíveis e implausíveis em face da verdade verdadeira, digamos, da “aletheia”
dos antigos gregos. Essa verdade verdadeira é, sem dúvida, sempre uma espécie
generosa de impossibilidade a inspirar os humanos, ideal que nos motiva a continuar
vivos.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Neste momento, no tempo presente
mais imediato, é possível que estejamos em face de um golpe de estado no
Brasil, como querem fazer acreditar o PT e seus apoiadores, que “forças
ocultas” estejam, mais uma vez ao longo da história, querendo tomar o poder
federal e colocar fim à democracia. É possível que o governo provisório de Michel
Temer já seja a transição “soft”, nos limites constitucionais, para uma nova
velha ordem autoritária. É possível, sim, que os defensores do governo Dilma
Rousseff estejam com a verdade, que o ex-presidente Lula seja inocente em
relação aos crimes de que vem sendo acusado, que nada tenha a ver com os atos
ilícitos denunciados pela chamada Operação Lava Jato, que tudo não tenha
passado nem passe de um estratagema das “forças ocultas” para viabilizar o
golpe. É possível, também, que a presidente do país, embora vinculada ao PT,
nada tenha a ver com os eventos criminosos de que são acusados tantos petistas
e seus aliados, que ela seja, como a própria proclama e seus apoiadores
reverberam, a inquestionável imagem da honestidade, seriedade e
responsabilidade. Enfim, também é possível que o número enorme de envolvidos
com a Lava Jato, muitos já condenados, presos, e outros em vias de condenação,
seja inocente, que tudo que foi delatado, averiguado e provado até não passe de
abuso de poder da parte de Sérgio Moro com vistas a efetivar um golpe de estado
no país. Sair do campo das possibilidades exige, sobretudo, um enfrentamento
desapaixonado, tanto quanto possível, dos próprios fatos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: center;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">*<o:p></o:p></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: center;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Desde 2013, quando se iniciaram as
grandes manifestações populares contra o governo Dilma Rousseff, a memória
social do golpe militar de 1964 tem sido utilizada insistentemente pelo PT,
pelo próprio governo federal e seus apoiadores como forma de desqualificar a
oposição partidária, especialmente o PSDB, e abrandar, no mínimo, o
descontentamento de parcela expressiva da população, de toda uma massa que
cresce, como era de se esperar, ao ritmo do acirramento da crise econômica,
social, que os governistas, de modo muito previsível, preferem tratar como
crise apenas político-partidária. Pouco a pouco, o golpe militar, de que grande
parte dos manifestantes só ouviu falar ou tem notícia através de conteúdos na
internet, passou a ser a medula do argumento dos governistas contra o “impeachment”
da presidente Dilma Rousseff já aprovado pela Câmara e pelo Senado, sinônimo de
“impeachment”, de tal forma que agora, quando a crise vai-se encaminhando para
um ponto mais crítico, para um desfecho problemático, não para uma solução,
qualquer manifestação contra o estado de coisas vigente, nas ruas e nas
chamadas redes sociais, logo é estigmatizada como golpismo. A associação entre “impeachment”
e golpe militar ganha mais força, impondo-se como verdade, em face do terrível
– como ninguém tem direito a ignorar – histórico de vítima da ditatura militar
que a presidente, assim como tantos de sua geração, inclusive Lula, carrega.
Esse histórico em si faria da presidente, do ex-presidente e dos seus
apoiadores representantes naturais, digamos, da defesa do estado de direito
democrático. E faria dos outros, seus opositores, representantes casuais, pode-se
dizer, do “estado de exceção”, antidemocrático, da ditatura militar. No limite,
o discurso pró-Dilma, governo federal, PT e Lula enreda a população numa
situação dilemática: aceitar isso, todo um estado de coisas negativo – que vai
além, obviamente, da Lava Jato, que envolve mazelas sociais de todo tipo –, ou
autorizar a volta da ditadura. A aceitação de tudo aquilo que a população
considera horrendo demais, de atividades criminosas absurdas, coloca-se agora,
por força do argumento governista, como condição única para a continuidade da
democracia, de tal forma que se pode compreender que democracia no país
significa, também, corrupção, farra com dinheiro público, bagunça.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">A dificuldade da população de sair
do dilema em que se vê aumenta à medida que o governo Dilma Rousseff
autoproclama-se como legítimo responsável pelo combate à corrupção, como o
governo que permitiu às instâncias competentes, Ministério Público e Polícia
Federal, apurar, processar e condenar corruptos. Assim, postular o “impeachment”
da presidente da República seria, no mínimo, uma insensatez da parte de uma
população sedenta de probidade administrativa, de erradicação da corrupção que,
segundo ainda o argumento do governo petista, é uma praga que vem de todos os
governos que o antecederam, que está entranhada na história das instituições
brasileiras. Os governistas, num primeiro momento, e os petistas em geral
agora, quando se trata de evitar o “impeachment” a todo custo, consideram
suficientemente compreensível, altamente razoável, seu protagonismo no combate
à corrupção mesmo em face do envolvimento de tantos petistas e aliados nas
atividades criminosas denunciadas pela Operação Lava Jato, bem como no chamado
Mensalão. Precisamente daqui, da dificuldade da população de aceitar o que o
governo considera aceitável, decorre a decisão do governo de partir para uma
contra-ofensiva de base hermenêutica, para um “tour de force” interpretativo,
cujo ápice é a associação entre “impeachment” e golpe militar, a possibilidade
de supressão da democracia no país. O pressuposto do governo nessa tarefa, como
podemos inferir, é que a população não entende nem aceita suas ações porque, no
fundo, está sendo manipulada por agentes políticos de oposição, bem como por
meios de comunicação, setores do empresariado e membros do judiciário, enfim,
as “forças ocultas” conservadoras de sempre. A massa estaria, uma vez mais ao
longo da história, colocando em prática pontos de vista derivados de uma
interpretação da realidade social imposta como verdadeira, denunciando, dessa
forma, uma trama ideológica, com o seu componente falseador das coisas como
elas realmente são. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: center;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">*<o:p></o:p></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: center;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Assim, a associação do
“impeachment” a golpe militar revela, num primeiro nível, o interesse petista
de caracterizar a crise em curso como crise discursiva orquestrada pelas
“forças ocultas”, como uma crise que não teria, na verdade, fundamentos
práticos, concretos, sociais. Obviamente, “impeachment” de presidente da
república é dispositivo constitucional no país, tendo sido utilizado em 1992 contra
o então presidente Fernando Collor de Melo, processo que teve como
protagonistas o PT, partidos de esquerda, movimento estudantil e movimentos
sociais. Num segundo nível, a associação de “impeachment” a golpe revela um
movimento de sobreposição do texto constitucional por uma interpretação político-petista
da história presente a partir de um critério bastante previsível na dinâmica de
poder em geral e, em especial, de poder público: o medo. Amedrontar pessoas não
é o modo apenas como tiranos, déspotas, ditadores exerceram e ainda exercem o
poder, mas também como governantes eleitos democraticamente, pelo voto direto
do povo, também chegam a exercer o poder, numa eterna e paradoxal atualização
do mito grego do minotauro, o monstro que deve ser alimentado da própria carne
de virgens em nome da estabilidade da cidade-estado, segundo o ponto de vista
do rei, claro, de Minos, no caso. Entre as muitas revisitações do mito, é muito
digna de lembrança, aos que interessar possa, a de um latino-americano, o
argentino Julio Cortázar, num drama de 1949, intitulado <i>Los reyes</i> (Os reis), o primeiro trabalho que assinou com o próprio
nome. A ditatura de 1964, à medida que não foi a única na história de um país
endemicamente autoritário, soa como uma espécie de minotauro no discurso
petista, o monstro que, supostamente (supostamente) abatido no labirinto que é
o país por destemidos Teseus – Lula, Dirceu, Genoíno, Palocci etc - com a
colaboração de Ariadnes – Dilma, Erundina, Benedita, Chauí etc –, renascerá com
o “impeachment” da presidente da República, com a interrupção de um programa de
governo que já dura 14 anos! <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">E assim nos vemos diante de um
terceiro nível no “tour de force” hermenêutico petista, de uma outra ordem de
interesse, que é uma reescrita da história a partir de uma modulação arbitrária
da memória social, de uma memória que é coletiva, que constitui patrimônio
imaterial de milhões de pessoas, e que, por isso mesmo, não pode ser
sequestrada por nenhum grupo social, nenhuma agremiação partidária, sob pena de
se configurar uma catastrófica redução da história em si, do turbilhão de
acontecimentos, a uma determinada ideologia. O PT, segundo a interpretação
petista praticada pelos defensores de Dilma Rousseff, seria o guardião
autorizado – o único – da democracia no país, de tal forma que discordar do seu
modo de governar significaria discordar da própria democracia, ponto de vista
que traz à tona a perspectiva tirânica, de antigos e modernos imperadores:
governaremos por todos os séculos – e, evidentemente, por vontade de Deus. Essa
pretensão absurda, naturalmente, cuja absorção natural exige um grau elevado de
ignorância sobre a história do país nos últimos 40 anos, configura, no fundo, o
restabelecimento de um elo entre o petismo atual, governista, e o petismo
originário, lá dos anos 1980, que parecia revolucionário. Mas não se trata de
um elo gratuito, desinteressado – não há possibilidade de ação desinteressada,
como dizia Pierre Bourdieu -, mas do restabelecimento de uma conexão com aquilo
que sempre constituiu a dimensão mais aporética na construção ideológica do PT:
a conexão com o dogma, fonte de adorações, idolatrias e fanatismos fadados a
culminar em tragédias sociais. O PT era, na sua origem histórica, uma questão igrejeira,
com seus religiosos ideólogos – Boff, Beto, Pedro, Chico etc –, padres, freis,
freiras, seminaristas, diáconos, com seus trabalhadores tementes a Deus, tendo
à frente, como uma espécie de selo de identidade cristã, seu messias, Luís
Inácio Lula da Silva, o enviado por Deus, o justiceiro, o redentor, um misto,
latino e nordestino, de Che Guevara e Antonio Conselheiro – e também Zumbi,
Tiradentes e todos os demais heróis nacionais, aos quais o já mito Lula acaba
por se equiparar no discurso de vitória na Av. Paulista em novembro de 2002. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: center;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">*<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O problema central do PT, do ponto
de vista da sua construção epistemológica, digamos, da organização da sua
racionalidade política, sempre foi superar a dimensão dogmática, concernente a
deuses, em favor de uma dimensão herética, que nega todo e qualquer dogma, pelo
fato altamente razoável de que política, como Hannah Arendt pontua, é coisa de
homens, diz respeito a homens que se veem em condição de desigualdade material
aqui na terra, não coisa de deuses desprovidos, evidentemente, de necessidades
tantas vezes ridículas, como ter que trabalhar para sobreviver. Até meados dos
anos 1990, a dimensão dogmática era o traço distintivo do petismo, seu atestado
de honestidade política, aquilo que fazia do PT uma bandeira da ética, que o diferenciava
dos demais partidos e o habilitava, assim, para o exercício do poder público no
país de modo novo, socialmente responsável. Essa dimensão dogmática, à medida
que impedia alianças com outras legendas partidárias estigmatizadas como
direitistas e deploradas como reacionárias e corruptas, teve como consequência
eleitoral maior, como se sabe, as três derrotas de Lula na corrida para a
presidência da república (1989, 1993, 1998). Tirar a eleição de Lula de um
plano que já tinha se tornado mítico no campo político em geral e traumático,
uma coisa mal resolvida, no campo petista, em especial, exigiu uma
flexibilização da dimensão dogmática do PT, a relativização de princípios
inegociáveis que tanto entusiasmaram toda uma geração – a federalização de todo
o sistema de educação, por exemplo, a reforma agrária e o desarmamento das
polícias –, uma pacificação com preceitos liberais, capitalistas, radicalmente
negados ao longo de quase duas décadas. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">A partir de 2003, com Lula
finalmente alçado à presidência ao lado do liberal José Alencar, a dimensão
dogmática petista foi passando de uma flexibilização a uma dissolução por força
das circunstâncias peculiares a um governo de coalizão, de tal forma que o
petismo, uma construção coletiva com suas características, que tinha em Lula um
dos seus sujeitos, não o único, foi dando lugar ao lulismo, a uma prática
política personalizada, na qual a “cultura da personalidade”, para lembrar
Sérgio Buarque de Holanda, fala mais alto que quaisquer outros elementos, que
passamos a ver – ou que devemos passar a ver, conforme a exigência autoritária
do discurso governista, hegemônico, obviamente, numa determinada nação – como
secundários. O acirramento da crise social, com milhões de pessoas exigindo nas
ruas um país mais justo – a saída de Dilma Rousseff, de Eduardo Cunha e Renan
Calheiros constitui argumento pragmático do discurso da população, obviamente
–, explica-se em face do lulismo, não exatamente do petismo, à medida que a
possibilidade de prisão de Lula se coloca no centro dessa crise. Dogmatizar,
afirmar isso como aquilo – “impeachment” é golpe PT é democracia etc –,
significa reconectar o lulismo ao petismo, uma dimensão particular a uma
referência coletiva, num esforço desesperado de sobrevivência do que constitui
uma razão petista e que, como toda razão
– “logos”: discurso –, não está acima do bem e do mal, não está imune ao
julgamento, ao “krinein”, que deve ser colocada em “krisis”, num ponto crítico,
sob pena de nos encerrarmos num monstruoso obscurantismo.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><b>Este texto, escrito em abril passado e ligeiramente modificado para esta publicação, é parte inicial de ensaio em construção sobre a razão entranhada na prática política do Partido dos Trabalhadores (PT). </b> <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-right: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"> <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 8.0pt; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"> </span><span style="font-family: "times new roman" , serif;"><o:p></o:p></span></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-62658698461979244802016-06-15T14:12:00.000-07:002016-06-15T14:28:49.317-07:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<h2 style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif; font-size: large;">A produção da liberdade</span></b></h2>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Escrever sobre algo
– um objeto, um processo – de que se é parte integrante sempre é tarefa
delicada. O risco de ficar num nível umbilical, muito condescendente, passando
por cima de problemas porventura óbvios, é grande. Maior ainda é o risco, pela
falta de imparcialidade, de nada contribuir para uma fruição mais produtiva,
digamos, do que o leitor tem em mãos. Mas se aceitei na hora um duplo convite relativo
a este livro – escrever estas linhas e colaborar com seis poemas – é porque
sempre vivenciei o Psiu Poético criticamente, e o evento foi sempre o principal
responsável por essa vivência. Nunca me senti obrigado a estar no Psiu,
tampouco a pensar, dizer ou percebê-lo por um prisma acrítico, ingênuo. </span><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A liberdade
de ver foi, desde o início, aspecto constitutivo do “constructo” cultural Psiu
Poético. Deixar ver, estimular o oswaldiano “ver com olhos livres”, foi o que
intuitivamente deve ter me chamado a atenção ali naquele 1987, 1988, quando
tomei conhecimento do Psiu através de Aroldo Pereira, um dos idealizadores e
coordenador do evento. O modo como esse conhecimento se processou diz muito
sobre o seu teor, sobre a natureza do Psiu Poético: certo dia, andando pelas
ruas do centro de uma Montes Claros ainda relativamente calma, creio que entre
a Av. Mestra Fininha, mãe do célebre Darcy Ribeiro, e a Prefeitura, encontro,
por acaso, Aroldo em plena militância sociocultural. Ele se apresenta; eu, do
alto da timidez dos 17 anos, apresento-me; ele solicita-me assinatura num
abaixo-assinado em favor de uma causa cultural e me fala do Psiu. Tudo lá era
livre – o acesso, a participação, a inscrição etc –, não tinha que pagar nada,
não tinha pré-requisito nenhum – e isso, que Aroldo me dizia, soava quase
inacreditável: liberdade total? Então, eu certamente intuía, era uma questão de
“poiesis”, de criação, de mais-além do lugar comum, algo realmente
interessante.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Daqui, do limiar
dos 30 anos de realização do evento, que completar-se-ão em outubro de 2016, é
possível perceber melhor, com mais clareza, o Psiu Poético e compreendê-lo em
sua gravidade, isto é, em sua diferença radical, primordial. Não se trata de
mais um evento de promoção da poesia, de mais um encontro de poetas, mas de um
estranho movimento social, um movimento poético-social, pode-se dizer. Como
tal, trata-se de um movimento de resistência a uma ordem social injusta que é
global, evidentemente, e que apenas se atualiza no local, numa cidade – Montes
Claros –, numa região – Norte de Minas Gerais.
A liberdade de ver, pensar, fazer, agir, estar, ser é precisamente o
modo como o Psiu Poético resiste à resistência que setores conservadores,
contrários às liberdades individuais, sobretudo às liberdades individuais dos
subalternos, sempre tiveram e continuam a ter em relação ao evento. Ao resistir
ao Psiu pela via de diversos dispositivos – indiferença, estigmatização,
difamação, negação de apoio, diluição, censura, descaso etc –, esses setores
conservadores – universidade, agremiações de letrados, instituições públicas,
órgãos de imprensa etc – só fizeram atestar, ao longo dos anos, a
periculosidade da liberdade e o horizonte político revolucionário, realmente transformador,
da práxis poética. Seria ingênuo, sem dúvida, pensar que esses setores – municipais,
inicialmente, mas logo estaduais e hoje até federais – nunca foram sensíveis ao
horizonte político das práticas artísticas, bem como das práticas pensantes em
geral. Deve-se justamente a essa sensibilidade, desde os tempos tidos e havidos
como coloniais, a constante vigilância, o atento controle, dos artistas,
críticos, intelectuais, em países como o Brasil, tema aguçado pelo historiador
baiano Sacramento Blake já em 1883 e explorado à exaustão nas últimas três
décadas por autores como Luiz Costa Lima. A resistência próxima e distante, regional
e nacional, ao Psiu Poético explica-se mais em função do caráter revolucionário
do seu horizonte político, não simplesmente em função desse horizonte, que é
perceptível, às vezes, até em produções artísticas reacionárias, pejorativamente
acadêmicas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">*</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Em termos históricos
genéricos e específicos, da história social e da história artístico-literária,
a resistência ao Psiu Poético explica-se a contento, claro: em 1986, quando o
evento surge, estávamos ainda saindo, com todas as conturbações, de uma longa
noite ditatorial; e, por outro lado, o que presenciamos nos últimos 30 anos em
relação à poesia é a mesma inadequação de valores éticos, morais, culturais,
individuais e dinâmica industrial, capitalista, vivenciada pelos primeiros
românticos alemães na aurora do século XIX e pelo sem-número de modernistas e
vanguardistas ao longo do século XX. Assim, a resistência ao Psiu coloca-se
como algo bastante previsível, como uma situação que não poderia ser diferente,
situação que, por outro lado, acaba por nos levar a pensar com mais interesse
na resistência a essa resistência, nisso que, afinal, tem mantido o evento
aceso ao longo de tantos anos sempre com o mesmo formato aberto, democrático,
semi-anárquico, já que não totalmente desprovido de referência de poder, de
organização, de centro. A ascendência do dado social sobre o dado cultural
restrito, “classudo”, burguês, ressalta-se como elemento edificante dessa
resistência: a organização do Psiu Poético lida, desde o início, com uma perspectiva
de sujeitos sociais, não de sujeitos culturais definidos segundo critérios
artísticos administrados pelo “campo cultural”, conforme a linha reflexiva de
um Pierre Bourdieu. Não interessa ao Psiu o produto apenas – poema, vídeo,
dança, performer, drama etc -, mas o processo produtivo em que se ressalta um
“ser social”, digamos pensando agora em Georg Lukács, em que reluz, por isso
mesmo, uma consciência cidadã, interessada, antes de mais nada, na relação com
outrem, no envolvimento com a cidade, com o tempo presente, com o mundo. Esteve
clara já naquele fim de anos 1980, e foi ficando cada mais clara, a perspectiva
de inclusão social via poesia praticada pelo Psiu Poético que constitui, no
fundo, o seu polêmico alicerce edificante à medida que afronta não apenas
conservadores, figuras que não gostam de poesia, mas, sobretudo, cultores do
esteticismo censor, defensores intransigentes da arte para nada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Como uma espécie de
desdobramento natural da sua perspectiva social, o Psiu Poético acabou por consolidar,
ao longo dos anos, uma ascendência do dado cultural sobre o dado esteticista,
não exatamente estético, sobre aquilo que constitui a “ideologia do estético”,
no sentido postulado por Terry Eagleton, a série de juízos de valor cultivada
pela classe dominante. Assim, o mais importante para o Psiu, desde o início,
foi o fazer estético em si, que pressupõe a dedicação de determinado sujeito
social a determinada arte, consciente ou inconscientemente, não o valor
estético propriamente dito, não a qualidade artística do que se pretende
artístico. Vejamos: o mais importante para mostrar no Salão Nacional de Poesia,
seja nos painéis na galeria ou nos palcos do Centro Cultural de Montes Claros,
referência principal das práticas culturais na cidade, exposição que, por sua
vez, não constitui a totalidade de um evento que também conta com atividades
nas ruas, praças, Mercado Municipal, bares, escolas e outros espaços públicos. Essa
ascendência do cultural sobre o estético na organização das artes – esse gesto
apenas aparentemente espontâneo de realizar um evento, mas que contém, claro,
uma episteme, uma teoria sobre como se efetiva a prática em questão – tem sua
motivação temporal e espacial, responde a inquietações de uma época, os anos
1980, e a necessidades de um local, o sertão norte-mineiro. À medida que o
estético perde a hegemonia que tinha nos grandes centros urbanos ocidentais de
fins do século XIX até meados dos anos 1960, como parte evidentemente do
esgotamento do projeto filosófico da modernidade, a cultura, ao sabor da
retórica democratizante do Brasil dos anos 1980, passa a ser referência de
unicidade para o campo das artes. Essa referência se revela mais produtiva, na
dinâmica do Psiu Poético, pela sua carga de generalidade – tudo é cultura,
costuma-se pensar generosamente –, mais fácil de se assimilar numa região
historicamente marcada pela informalidade, por manifestações culturais
populares, pela oralidade, enfim, elementos que caracterizam o sertão e o
colocam na contramão da cultura letrada que reverencia a poesia escrita, o
acabamento estético etc.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Finalmente,
pensando a episteme, a teoria sobre a prática Psiu Poético que está implícita
no que o evento apresenta a cada ano, ainda é possível falar numa ascendência
do estético sobre o ideológico como elemento que caracteriza a resistência do
Psiu não só à resistência externa, a daqueles que não são do campo das artes,
mas também à resistência interna, a daqueles que também são do campo das artes,
que também são criadores, críticos, pesquisadores e professores de literatura e
outras artes, que resistem ao evento negando-se a reconhecer sua relevância,
preferindo vê-lo como um “happening” de vagabundos. Não há, em termos
rigorosos, uma negação do estético pelo evento, à medida que este dá vazão aparentemente
a um vale tudo, expõe toda uma produção em vários registros – escrito, musical,
cênico, performático etc -, sem se importar, aparentemente, com a qualidade dos
trabalhos. Negar o estético é impossível à medida que, como Jacques Rancière
argumentou mais recentemente a partir de uma revisitação aos antigos e sempre
novos gregos, o estético, o sentido de “aisthesis”, diz respeito à esfera do
sensível, de tal forma que só um uso interessado, evidentemente ideológico,
pode restringir o estético às artes, como se percebe na tradição esteticista. O
Psiu Poético vem aguçando há três décadas a esfera do sensível, exibindo o dado
estético numa relação conflituosa com o dado esteticista, apegando-se a linhas de fuga, linguagens
desviantes das linhagens hegemônicas na poesia e nas artes em geral, e
configurando linhas de força contra-ideológicas. A ideologia, no seu sentido
negativo, marxiano, de mascaramento da realidade, tem sido, sem dúvida, o
grande alvo da ação social Psiu Poético, em face do qual se explica o sentido
político revolucionário, transformador, da própria ação, bem como se explica,
claro, parte considerável, pelo menos, das dificuldades para a efetivação dessa
ação. Desmascarar, desideologizar, é, no limite, desmascarar-se, revelar a
realidade e também revelar-se como parte dessa realidade, que, se não é ideal,
justa, deve ser destruída – e daí a crise, a identidade crítica, do Psiu
Poético. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0.0001pt; text-align: center;">
<o:p><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">*</span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br /></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Este livro me
parece mais produtivo, mais inquietante, da perspectiva de um “fluxo” do que da
perspectiva de um “fixo”, recordando as categorias do grande Milton Santos,
mais como um movimento num processo infinito do que como um lugar de chegada,
uma conclusão. Não só porque várias outras antologias reunindo poemas de
participantes do evento foram editadas pela Catrumano, do poeta Jurandir
Barbosa, nos últimos anos, mas porque o registro escrito nunca correspondeu à
totalidade do Psiu Poético, apesar de ter sido, e continuar sendo, a parte
estruturante do evento. Aqui, como nas demais antologias já publicadas,
sentimos, sobretudo, a impossibilidade de apresentação do Psiu em sua
integralidade, seu caldeirão de linguagens, que paradoxalmente faz deste livro
uma metáfora precisa do que é o evento: algo incontível, transbordante,
sertânico, glauberiano, darcyano, riobáldico, mas fundamentalmente pereiriano, vinculado
ao fervor criativo de Aroldo Pereira, um poeta “full time”. Não se trata de uma
antologia empenhada em legitimar nomes, até porque muitos aqui já estão
legitimados, mas antes de uma mostra que visa configurar um desenho, tanto
quanto possível, sobre o Psiu Poético, revelando, a partir da pluralidade de
linguagens, o traço distintivo, referencial, do Psiu Poético, que é o convívio
dos diferentes como diferentes, sem que seja necessário suprimir suas diferenças.
Aqui estão alguns nomes ligados ao Psiu desde a origem, como Antonio Wagner
Rocha, Marli Fróes, Mirna Mendes, Olívia Ikeda, Karla Celene Campos e Renilson
Durães, outros que se ligaram ao evento nos anos 1990 e 2000, como Marlene
Bandeira, Márcio Adriano Moraes, Patrícia Giseli, Nicolas Behr e Murilo
Antunes, e tantos que, libertos dos preconceitos colonialistas característicos
do eixo Rio-SP, têm se ligado ao Psiu nos últimos anos, como Éle Semog, Luís
Turiba, Celso Borges, Ronald Augusto, Jairo Fará, Wagner Merije e Ana Elisa
Ribeiro. Não se trata aqui, é preciso frisar bem, de uma antologia, tampouco de
antologia de melhores poetas do Psiu, e sim de um desenho bastante aproximado
do que é o Psiu Poético, viabilizado de forma Psiu – colaborativamente – como
parte da comemoração continuada dos 30 anos do evento.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A exemplo do evento
Psiu Poético, o todo tem ascendência sobre as partes aqui, do todo, das trinta
vozes que ressoam neste livro-salão, e não de cada parte isolada, de cada um
dos poetas, decorre a importância do gesto cultural – aquilo que realmente está
em causa – em clave livresca. São poetas aproximados a partir de critério que é
social antes de ser cultural, que é cultural antes de ser estético e que é
estético antes de ser ideológico, configurando, assim, um desenho fidedigno do
Psiu motivado, como o evento, pela compreensão da poesia como resistência à
ordem social injusta das coisas, na qual a poesia é negada porque seu sentido
é, como a política parecia a Hannah Arendt, a liberdade. O modo como cada poeta
diz aqui, sua modulação particular dos signos, não é mais significativo que a
substância que subjaz a esse dizer, expressa, na verdade, a substância cultivada
pelo Psiu Poético ao longo de tantos anos, o ponto de vista segundo o qual “a
posição da poesia é oposição”, conforme um dos poemas de Celso Borges
constantes deste livro, oposição a uma situação social que não mudou
fundamentalmente nos últimos 30 anos e nada nos garante, infelizmente, que
mudará tão cedo. Este livro, bem como as demais ações comemorativas do
trigésimo ano do Psiu Poético, chega num momento semelhante àquele, no final
dos anos 1980, em que Aroldo Pereira e seus companheiros do grupo teatral
Transa Poética – Gabriel Cardoso, Mauro Lúcio, Renilson Durães – viram-se
premidos a inventar o Psiu Poético, com a finalidade de instaurar um território
de produção de liberdade que jamais seria instaurado por autoridades
institucionais, políticas ou acadêmicas, em pleno Brasil profundo. Ontem como
hoje, a liberdade é uma ameaça aos donos do poder, aos “abutres” denunciados
pelo poema de Aroldo Pereira também presente nesta mostra, e apenas os poetas,
praticantes de uma política revolucionária, podem produzi-la, cultivá-la,
disseminá-la pelo mundo. A produção da liberdade a partir da poesia, com a
poesia, tem sido, sem dúvida, a maior contribuição do Psiu Poético à vida
contemporânea, processo que este livro, com seus poetas a ver com “olhos
livres”, metaforiza. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<b>Este texto, com o título original, é a íntegra de prefácio ao livro <i>Trinta anos-luz</i>, publicação da editora Aquarela brasileira organizado por Aroldo Pereira, Luís Turiba e Wagner Merije, trabalho que celebra os 30 anos de realização ininterrupta do Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, evento criado e coordenado pelo poeta Aroldo Pereira em Montes Claros, sertão de Minas Gerais. </b><i><b> </b><o:p></o:p></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 2.0cm; margin-right: 2.0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
</div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-70525720018410649702013-06-13T17:17:00.000-07:002013-06-13T17:25:53.567-07:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">O último danado<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Para Adriana Calcanhotto,<o:p></o:p></span></span></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Davi Arrigucci Jr. e</span></span></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Guilherme Mansur, <o:p></o:p></span></span></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Amigos de Waly</span></span></i></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Waly Salomão
(1943/2003) pertenceu a um grupo de criadores – Torquato, Oiticica, Glauber,
Leminski – que não fazia questão absoluta do epíteto de poeta, mas que tinha na
imagem do poeta uma espécie de identidade cultural, sobretudo pelo caráter
libertário, de sabor romântico, que constitui essa imagem, uma imagem vinculada
a uma atitude radical, desnorteada, “desbundada” – como se dizia nos tempos da
contracultura –, danada, portanto. Waly foi, a meu ver, o último a ostentar,
corajosamente, essa atitude, o último dos danados, e esbarrou, como não poderia
deixar de ser, nas rochas reacionárias da sociedade, de que a cultura letrada é
a mais resistente e dilaceradora. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O Waly que
conheci, e com quem tive a honra de compartilhar alguns momentos de alegria,
com quem falei horas ao telefone e participei de alguns eventos, que publiquei
várias vezes no <i>Suplemento Literário de
Minas Gerais</i>, era o poeta suavemente, digamos, dilacerado, que se esforçava
para vivenciar sua “vaziez” de modo mais educado, civilizado. Às vezes, não se
continha e disparava contra seus desafetos, para logo retomar a conversa sobre
poesia, sua poesia – sempre –, como uma espécie de trégua numa longa guerra. “Vaziez”
foi o conceito de Hélio Oiticica sobre o qual me falou, certa tarde, com muito
entusiasmo, lendo um texto agora publicado no seu livro póstumo <i>Pescados vivos </i>(Rocco, 2004)<i>. </i>Dizia, diz Waly Salomão (p. 69):<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> “VAZIEZ. Aprendi nos meus intensos diálogos
com ele que a <i>vaziez</i> era das qualidades mais desejáveis para um
artista, ele atribuía a um certo afã, a uma sofreguidão, a uma faina suarenta
do artista plástico (...)<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">ele falava
que fulano, sicrano, beltrano se repetiam <i>exatamente
</i>porque não passavam por um período rigoroso de abandono do já feito, da
linguagem alcançada, e não suportavam aquele embate, aquela agonia interior que
sobrevém até que você atravesse e saia
do outro lado da trajetória e para que você chegasse a pontos inusitados seria
abandonar provisoriamente ou suspender a categoria “artística” como uma tarjeta
perpétua, como uma linha de montagem de uma produção fordiana, então como o
artista não tem isto desta linha de montagem industrial ou fordiana, portanto
pode e deve perfeitamente suspender, fazer uma suspensão voluntária da
continuidade produtiva, exatamente para que possa vir o surpreendente, o
inesperado, o impensável, o imprevisível. (...)<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">VAZIEZ.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Basta
introduzir, no universo da plenitude das coisas, fissuras.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">FISSURAS.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Aprendi
com ele?<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ou foi com
outros?<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ou como
foi que se deu, se dentro de mim é indistinto?” <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Talvez
possamos – quero pensar que sim – perceber o Pequeno Waly a partir desse prisma da “vaziez”. O Pequeno
Waly – o recalcado sempre em vias de retornar, como n´“A fábrica do poema”, de <i>Algaravias </i>(Editora 34, 1996), que teve
fragmento musicado e gravado por Adriana Calcanhotto em disco homônimo – era a
contraparte do Grande Waly, estridente, “amante da algazarra”, para lembrar o
título do seu poema em <i>Tarifa de embarque
</i>(Rocco, 2000, p. 61), um contraponto que Caetano Veloso nos sugere,
sutilmente, na canção-farewell, sob o título “Waly Salomão”, no seu disco “Cê”
(Universal, 2006): "meu grande amigo/ desconfiado e estridente/ eu sempre tive comigo/ que eras na verdade/ delicado e inocente". </span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Penso que
a “vaziez” nos remete, de modo fidedigno – pois a relação de Waly com Oiticica
tinha fumos, diria Machado, de sacralidade para Waly, que evitava até dizer o nome do seu amigo
morto, como se fosse seu santo protetor secreto – ao sujeito histórico. Não se
trata de um mero conceito, inventado numa esfera transcendental, mas de uma
situação conceitual, digamos, que se desdobra de uma experiência estética não
esteticista, ou seja, que não se restringe apenas ao campo da arte em si, que
não se subordina ao viés institucional das “belas artes”.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A
recorrência a um parâmetro industrial – o fordismo – para qualificar o trabalho
do artista mostra o modo material como Oiticica – e Waly a partir dele – pensa
a produção artística, parâmetro em face do qual o artista deve demarcar sua
diferença. O artista – que, assim como um trabalhador de fábrica, produz, mas
um outro produto – deve, num procedimento diverso daquele do fordismo,
suspender a “continuidade produtiva” e esperar “o surpreendente, o inesperado,
o impensável, o imprevisível”. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O fato é
que, à medida que se entrega a esse estado de “vaziez”, o artista coloca a
fidelidade a si mesmo acima da fidelidade ao público, ao mercado, à indústria
cultural. A “vaziez”, que Waly aproxima no texto em questão de “avidez” e
“aridez”, encontra, assim, a sua referência maior nos simbolistas franceses do
final do século XIX, especialmente em Mallarmé, que, conforme o célebre texto
de Paul Valéry (“Existência do simbolismo”, In: <i>Variedades.</i> Trad. Maiza Martins de Siqueira, Iluminuras, 1991, p.
66), identificavam-se, sobretudo, em relação a uma recusa à quantidade, à
adesão a uma lógica numérica, capitalista. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Obviamente,
o Grande Waly – o que se estabeleceu - não teve pendores simbolistas; teve
pendores barrocos, românticos, como tanto se sabe. Mas o Pequeno Waly, o
recalcado, que ficou ainda e certamente ainda ficará desconhecido por muito
tempo, repito, enquanto parecer for mais lucrativo que ser, acaba por nos
levar, com sua reflexão-recordação sobre Oiticica, até o modo de ser – crítico,
intransigente, angustiado – daqueles poetas que – radicalizando a razão
romântica, que já era um radicalização da razão barroca – acabaram por fixar a
imagem do poeta “damné”, danado, atormentado, amaldiçoado, desesperado. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A “vaziez”
é, de fato, a imagem que me ficou do último danado, naquele nosso último
encontro em Belo Horizonte, no mês de abril de 2003, quando o convidei para
participar do lançamento de um número especial do <i>Suplemento Literário de MG </i>em homenagem a Carlos Drummond de
Andrade e Emílio Moura. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Após o
lançamento, numa manhã de sábado na Livraria Travessa, fomos ao ateliê do
artista plástico Jorge dos Anjos, na região da Pampulha. Chegando lá, Waly se
atirou num canto externo da casa, debaixo de uma escada, um lugar bem
aconchegante, que parecia um esconderijo, e, quando o chamávamos para ver as peças
do artista dentro da casa, ele gritava: “deixem eu ficar aqui! Não me tirem
daqui!”. E todos ríamos. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Era o
Grande Waly, o excepcional danado, representando, claro; mas era também o
Pequeno Waly, em plena crise de “vaziez”, denunciando o seu mal-estar no mundo.
<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Menos de
um mês depois, na manhã de 05 de maio de 2003, acordei apavorado pela notícia
da sua morte. <o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Era uma
ideia muito rara, raríssima, de humanidade.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: 10pt;">Este texto é o
fragmento final de ensaio apresentado pelo autor no evento Literatura, Vazio e Danação no
último 12 de junho na Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. </span><span lang="EN-US" style="font-size: 10pt;">Blog: </span><span style="font-size: 10pt;"><a href="http://www.anelitodeoliveira.blogspot.com/"><span lang="EN-US">www.anelitodeoliveira.blogspot.com</span></a></span><span lang="EN-US" style="font-size: 10pt;"> | Email: anelitodeoliveira@gmail.com | Face: www.facebook/anelitodeolivei<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; margin: 0cm 1cm 10pt; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-76851634679308879352013-05-29T16:22:00.001-07:002013-11-18T12:52:42.328-08:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="line-height: 18px;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Museu vivo da escravidão</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Numa passagem muito
paradoxal, reverberando a verdade factual que impregna as coisas, a verdade haurida
na vida material de uma sociedade, Joaquim Nabuco disse no seu </span><i style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Minha formação</i><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> (1900) – e Caetano Veloso,
sempre ensimesmado diante das nossas contradições, recortou e gravou no seu “Noites
do Norte” (2000) – que a escravidão permaneceria como característica nacional
do Brasil.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ou seja: nosso modo de
ser nacional, nossa particularidade identitária, nossa subjetividade coletiva,
o que exibimos publicamente, no espaço comum, está decididamente marcado, tudo
isso, pela escravidão do povo negro arrancado à força da África, independente
se foi ou não – para responder já aos neorracistas subcientificistas de hoje,
aos Demóstenes e Magnolis e Kamels – com ou sem a contribuição de africanos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">125 anos (1888/2013)
depois da promulgação da Lei Áurea, o Brasil é um grande, imenso, Museu Vivo da
Escravidão. No país onde se tornou moda, há algum tempo, criar museu de
qualquer coisa apenas – ou sobretudo –
para abocanhar altas quantias do
erário – especialidade das nossas elites espertalhonas -, está ficando cada vez
mais difícil compreender por que ainda não se criou o Museu Vivo da Escravidão.
Doravante, cobrarei royalties pela ideia, claro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Vejam: não é necessário
nenhum investimento material, nenhum orçamento milionário a ser negociado com
os nobres deputados, mas tão-somente o reconhecimento pelo Governo Federal -
através de seu Ministério da Cultura (porque negro é cultura, não é?) e da sua
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (porque se trata de igualar os
negros aos não-negros em termos de valor museológico, não é?) – da importância de, em tempos de
Comissão da Verdade, restabelecer a verdade sobre a escravidão no Brasil.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">E a verdade, neste
caso, é que a escravidão permanece como conteúdo, como substância, como
fundamento das práticas sociais brasileiras, como aquilo que move o cotidiano
dessa sociedade. Nada que Nabuco não tenha percebido, mas de modo muito
tropical, obnubilado (perturbado, obscuro), para usar um famoso achado
conceitual de um grande crítico do seu tempo, o cearense Araripe Jr.
(1848/1911).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Pensemos, a princípio,
na esfera do trabalho organizado, assalariado, estruturante, obviamente, de
toda sociedade moderna: mudou o quê, substancialmente, do fim legal da escravidão
para cá no Brasil? Nada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Não é preciso recorrer às
estatísticas sempre ideológicas, que um Milton Santos (<i>O país distorcido</i>, Publifolha) sempre ousou colocar sob suspeita,
para perceber que os negros (ou originariamente negros: mestiços, mulatos,
pardos, categorias socialmente negras, como qualquer policial nos pode
esclarecer, não é?) continuam, em sua imensa maioria, ocupando os piores lugares
em todos os sentidos (físico, salarial, psíquico) no mundo do trabalho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Lavrador, carvoeiro,
minerador, doméstica, pedreiro, lavador de carro, faxineiro, motoboy, mecânico,
metalúrgico (que só é título elevado no currículo de Lula) são, obviamente, funções
dignas – qualquer trabalho é digno, dentro da mitologia cristã que nos
domesticou -, mas é, no mínimo, estranho encontrarmos, geralmente, quase
sempre, negros exercendo essas funções no país, não é mesmo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Às vezes deparamos
com negros exercendo funções supostamente menos cansativas e mais valorizadas
pela sociedade, que são aqueles que, em sua maioria, conseguiram alcançar
(graças a esforços sobre-humanos seus e dos seus pais ou parentes, não a
benesses governamentais) um grau maior de escolaridade, mas que, mesmo assim,
estão, geralmente, subvalorizados no mercado de trabalho, sobretudo a mulher negra,
como revelou pesquisa do Instituto Ethos e do Ibope nas 500 maiores empresas do
país em 2010 (disponível em <a href="http://www1.ethos.org.br/">http://www1.ethos.org.br</a>).
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A pirâmide do trabalho
no Brasil é muito clara, e só hipócritas não a percebem em sua gravidade, como
expressão do racismo sofisticado contra os negros que os mantém presos a uma
lógica escravocrata, sem perspectiva de avanço real em suas respectivas
atividades porque estão sempre sob o signo da desconfiança dos seus “feitores”
na iniciativa privada e, também, na administração pública – Ministérios,
Universidades, Hospitais, Escolas, Repartições em geral -, onde o chamado
racismo institucional oprime, humilha, silencia, elimina tantos negros sempre
em nome dos “regimentos internos”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Se saímos da esfera do
trabalho e vamos para a esfera do consumo, percebemos que quase nada mudou do
fim legal da escravidão para cá: os negros – como consequência da
subvalorizaqção do seu trabalho, quando não do desemprego que comumente os
abate -, em geral, consomem ainda hoje o que eles mesmos, como parte do
vocabulário humilde dos pobres, chamam de “grosso” em matéria de alimentação:
arroz, feijão, óleo etc. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Consomem, em sua
maioria esmagadora, esse “grosso” em todos os sentidos, da alimentação – básica
– ao carro – básico -, do vestuário ao mobiliário, da música – simplista - ao
celular – pré-pago – até a droga – crack, resto de cocaína -, os negros, em
plena sociedade do consumo, estão aprisionados ao básico, porque, claro, estão
condenados a permanecer na base da pirâmide social.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Como se percebe,
principalmente no sudeste do país, são, sobretudo, os negros que movimentam os
grandes espaços de consumo, os shoppings populares instalados nos centros das
metrópoles, os hipermercados – evitados, claramente, pelos brancos ricos, que
recorrem agora a luxuosos mercadinhos, feitos meio que exclusivamente para eles
-, espaços que hoje se nos afiguram como
legítimos mundos negros, como a 25 de março em SP e a Oiapoque em BH.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Não há dúvida de que os
negros - como parte do segmento pobre brasileiro, como parte dos cerca de 36
milhões que migraram (de onde mesmo?) para a classe C, conforme o discurso
governamental – estão consumindo mais atualmente, na exaltada boa fase da
economia brasileira. Mas não pode haver dúvida também, da parte de quem ousa
estar com a verdade, de que a qualidade dos produtos consumidos pelos negros é
inferior à dos socioeconomicamente brancos, é, como hoje se diz, “meia-boca”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Há, portanto, uma
visível barreira ao consumidor negro, que constitui, se a pensamos com o Néstor
García Canclini de <i>Consumidores e
cidadãos </i>(Editora UFRJ), um obstáculo à efetivação da sua cidadania numa sociedade
que proclamam (as elites economicistas) como sendo do consumo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Essa barreira não
apenas pode como deve ser pensada em face da escravidão: o negro não é livre
para consumir o que quiser – sobretudo, produtos simbólicos, artes, literatura,
cinema, teatro etc -, não tem liberdade ainda, digamos, de consumo,
evidentemente, em função dos seus baixos, baixíssimos, muitas vezes, “capital
dinheiro” (Marx) e “capital cultural” (Bourdieu).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Saindo da esfera do
consumo, podemos considerar, sempre de modo sintético, uma outra esfera
estratégica em toda sociedade, para postular, aqui, a sociedade brasileira como
um aterrorizante Museu Vivo da Escravidão, que é, obviamente, a esfera da
representação pública, onde tudo, absolutamente tudo, é expressão de poder
legitimado pela sociedade, onde só é quem realmente pode ser.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Em pleno – e aclamado e
exibido e festejado - Estado de Direito Democrático, temos um número mínimo,
insignificante, de negros – digo: negros mesmo, socialmente, politicamente,
negros, não oportunistas, brancos que se se dizem negros quando lhes convêm –
nos espaços de poder público, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e,
também, nesse chamado quarto poder, que são os meios de comunicação
hegemônicos. Basta este dado objetivo: temos um negro no Senado e um negro no
Supremo Tribunal Federal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Como entender este fato
para além de Gilberto Freyre e dos apologistas da “democracia racial”? Como não
compreender este fato senão da perspectiva de um controle da sociedade, nos
termos consagrados pelas análises foucaultianas, bem como um controle do
imaginário dessa sociedade, nos termos do crítico Luiz Costa Lima? Trata-se de
um controle genérico e específico, do todo e de certas partes do social, que
remonta claramente ao tempo da escravidão legal. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Trata-se de uma
sociedade onde, para lembrar a indiana Gayatry Spivak de <i>Pode o subalterno falar?</i> (Editora UFMG), os subalternos, os negros,
não podem, nunca puderam, falar. Podem trabalhar, podem fazer todo tipo de
serviço braçal, especialmente os serviços mais sujos, podem suar a camisa. Não
é esta, afinal, a grande imagem, a mais autêntica, que temos do Brasil? Negros
e negras suando a camisa, carregando o país nas costas. Agora, na Era
Lula-Dilma, é verdade que os negros em geral podem consumir mais produtos
básicos, mas falar, decidir, sabemos que não – ainda não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Negros trabalhando no
pesado, nos campos e nas cidades, correndo atrás de bola, sambando nos morros
desurbanizados, correndo de polícia, lavando pratos nas novelas da Globo
(porque a arte, dizem os realistas mais estúpidos, imita a vida, não é?),
negros sangrando atrás das grades, negros alcoolizados, drogados por toda parte,
crianças, idosos e mulheres negras violentados historicamente e atirados à
própria sorte – imagens do Museu Vivo da Escravidão que o Brasil preserva
cinicamente e que suas autoridades precisam reconhecer e instituir nos termos
da lei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-62336526269512778212013-05-05T13:36:00.000-07:002013-06-13T17:52:11.123-07:00POEMA | Anelito de Oliveira<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-family: "Garamond","serif";"><span style="font-size: large;">Dentro da onda </span><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Garamond","serif";">Para Waly Salomão<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Garamond","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Riamos,
ríamos muito, ríamos <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Completamente,
e era difícil saber<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
que estávamos rindo ali em<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Meio
à tarde, num espaço sóbrio,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ríamos,
você lá no Rio, eu em BH,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Você,
colaborador ilustre, eu editor<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
um suplemento literário, ríamos,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Claro,
da nossa condição ridícula <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">No
mundo, tentando ser, saber <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Alguma
coisa, condição que se ia <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Revelando
ali a cada lance retórico,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Você
se dizendo tabaréu do sertão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Baiano
e me dizendo jagunço do<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Sertão
rosiano, cheio de negaças,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Como
é? Negaça, é, máscara, você<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Parece
um jagunço! Quem? Eu?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E
ríamos, ríamos da vida como ela é<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Enquanto
você atirava postas de vidas <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Estrangeiras
aos meus ouvidos como <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Um
bricoleur deslumbrado no lixão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Ele, ele, ééé, Ele com E maiúsculo,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Uma
entidade de que não pronuncio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O
nome – quem? Hélio Oiticica? Sim,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
Não me arrisco nem a dizer o nome<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Dele
tal é o meu respeito, Ele, sim!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E
Cássia Eller no Dona Lucinha nas <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Noites
de show, coisas a perceber <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Risonhamente
no mundo, Caetano –<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Este,
sim, esperto como uma Cobra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Coral
-, O Rappa cantando Vapor <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Barato,
Afroreggae reinventando o <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O
som do morro, o mangue de Otto, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E
coisas também a desperceber – uma <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Bahia
e tantos baianos na margem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
uma onda reacionária – sim, e ele<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Repetia
à exaustão como quem fazia,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Suando,
vatapá ou agitava candomblé<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">-
sim, sim, sim, por isso vim embora <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Um
dia, “Memória da pele” é isso, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">“Eu
já me esqueci você”, é a Cidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
Salvador, eu deixando a Bahia, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Nada
desse negócio de ficar à margem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Da
onda, assistindo de longe, eu <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Quero
ficar é dentro da onda, dentro <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Da
onda, dentro da onda! –, e era de<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Lá,
eu pensava, que vinha sua voz, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">De
dentro de uma onda convulsa onde<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Você
morava profundamente, que lhe<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Era
íntima e de quem você era íntimo,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Sua
homérica onda árabe que não se <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Apaziguava
– Que paz o quê? – Você<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Gritando
a plenos pulmões na noite<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Sertaneja
– o que existe é guerra, é <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Guerra!
– E todos amedrontados, a<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Temer
que você os violentasse, todos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Assombrados
com a sua loucura, cada<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Um
procurando seu canto, enquanto<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Você
gritava ao telefone cobrando o<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Pagamento
pela sua performance e <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Se
rebelando contra o cinismo estatal<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Que
assassina a poesia – Poetas pela paz? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Que
paz o quê? É guerra, guerra! – e,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Tapando
o som do telefone de mesa,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Olhava
para mim – que estava ali pelo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Prazer
de reencontrá-lo - e ria, ria, ria,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E
ríamos daquilo que sabíamos ser <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Apenas
mais um ato da peça barroca <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Que
você encenou durante toda a vida,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A
graça, por que ríamos, não sabiam,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Era
a presença de Waly no mundo <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Garamond","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Garamond","serif";"><i>05
de maio de 2013</i><o:p></o:p></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-30145629257571431632013-04-05T22:12:00.001-07:002013-04-05T22:42:27.024-07:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<div style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Elogio de Murilo Mendes<o:p></o:p></span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p><br /></o:p></span>
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p> </o:p></span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p> </o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong>A história dos poetas</strong></span></i><br />
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong><br /></strong></span></i>
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong><br /></strong></span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong>
</strong><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Os poetas vêm escrevendo, ao
longo dos tempos, uma história singular, extraordinária, à margem da História
Oficial que nos é imposta a cada dia por toda parte, pela escola, pelas
igrejas, pela televisão etc. Não é uma história em que se ressaltam grandes
acontecimentos, em que se procura a sacralização de determinados nomes, em que
o objetivo maior sempre acaba sendo a mitificação de mortais vencedores,
elevando-os a um panteão de supostos imortais. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A história que os poetas
escrevem é totalmente diversa porque, naturalmente, articula-se a partir de um
ângulo diverso, incomum, estranho. Não é do alto, do pico de uma montanha ou da
janela de um castelo, que os poetas veem, mas sim do baixo, do chão – o poeta é
mesmo, como se lê no “L’albatroz” de Baudelaire, um “exilé sur le sol”, um
“exilado no chão”. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Vendo de baixo, conseguem revelar realidades que a História
Oficial ignora ou considera irrelevantes, mas que são – não cessamos de
constatá-lo – os constituintes fundamentais da existência humana. Essa
existência, a nossa, não é mais nem menos do que foi configurado nos textos
bíblicos, nos poemas homéricos, nos “récits” trágicos e cômicos, na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Divina comédia</i>, n’<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Os</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lusíadas</i>, no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fausto</i>, no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Grande Sertão: Veredas</i>, enfim, em tantos outros escritos cuja
grandeza deriva, sobretudo, do fato de revelarem um dado impressionante: a
verdade está no outro. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O que nos diz “O livro de
Jó”? Que a verdade está no “pobre”, naquele que, libertado de toda “riqueza”,
inteiramente despojado, pode ouvir sua voz interior, não é escravo de ninguém.
</span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O que nos dizem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Odisséia</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ilíada</i>? Que a verdade está no
“agonístico”, no que porta o “agon”, no conflituoso, naquele que joga sobre as
próprias costas as ânsias dos seus semelhantes e, em nome deles, para dar-lhes
um outro porvir, enfrenta o mar, dilacera-se na guerra. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O que nos dizem os trágicos,
um Sófocles, um Eurípides? Que a verdade está no cego (Tirésias), que a verdade
está na mulher (Medéia), está, portanto, naquele que todos pensam que não
enxerga ou naquela que ainda hoje, aqui e em tantos lugares, é tida como
inferior, como incapaz, como mero objeto. Também os outros textos aqui
espontaneamente lembrados remetem-nos ao entendimento de que a verdade, a mais
plausível verdade, está fora daquele lugar onde a maioria absoluta está
acostumada a procurá-la, fora do centro, fora de foco, fora do Mesmo. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A
história dos poetas, tanto no Ocidente quanto no Oriente, pode mesmo ser tida
como a história da escrita dessa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">verdade
do outro</i>, essa censurada <i style="mso-bidi-font-style: normal;">verdade do
outro</i>, essa insuportável <i style="mso-bidi-font-style: normal;">verdade do
outro</i>.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong><br /></strong></span></i>
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong><br /></strong></span></i>
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong>Poesia-inventário<o:p></o:p></strong></span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Toda essa digressão
pareceu-me necessária para afirmar que Murilo Mendes acrescentou preciosas
linhas a essa história que os poetas vêm escrevendo, incansavelmente, ante a
não rara indiferença de letrados insensíveis. Não são todos os poetas,
evidentemente, que lograram, já no século XX, acrescentar algo a essa história,
mas tão-somente aqueles que, como Murilo, mantiveram-se presos ao “espírito
religioso” que Mário de Andrade ostentava e incitava nos primeiros modernistas
mineiros. Dizia o autor de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Macunaíma</i>,
naquele seu estilo único de filosofar sorrindo, em carta a Carlos Drummond de
Andrade nos distantes anos 20: </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">“Tudo está em gostar da vida e saber vivê-la. Só
há um jeito feliz de viver a vida: é ter espírito religioso. Explico melhor:
não se trata de ter espírito católico ou budista, trata-se de ter espírito
religioso para com a vida, isto é, viver com religião a vida. Eu sempre gostei
muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente.
Eu tanto aprecio uma caminhada a pé até o alto da Lapa como uma tocata de Bach
e ponho tanto entusiasmo e carinho no escrever um dístico que vai figurar nas
paredes dum bailarico e morrer no lixo depois como um romance a que darei a impassível
eternidade da impressão”. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Murilo Mendes, de quem é possível dizer que tenha
praticado esse “espírito religioso” em amplo e estrito senso, não esteve
indiferente a nenhuma manifestação da vida, praticando algo como uma
poesia-inventário, feita de elementos díspares pertencentes a uma
família-mundo, não apenas a família biológica ou artística (a do homem, a do
poeta). Seu trajeto começa justamente com a inventariação – no sentido de uma
recapitulação, de um resgate, de uma rememoração – da imagem do exilado, e não
apenas daquela fixada por Gonçalves Dias, como literariamente, pelo viés da
intertextualidade, interpreta-se. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O exilado muriliano, ao
contrário daquele do romântico, não lacrimeja de saudade porque não se sente
apartado realmente do seu país, por um simples fato: não concebe o
apart-amento, a separabilidade. Para esse exilado, não há países, não há
divisões territoriais, há uma terra apenas onde convivem “macieiras da
Califórnia”, “gaturanos de Veneza”, “poetas”, “pretos”, “sargentos do
exército”, “monistas”, “cubistas”, “filósofos polacos”, “sururus”, “Gioconda”,
“carambola”, “sabiá” etc etc. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Nessa “Canção do exílio”, com que nos deparamos
já no primeiro livro do poeta (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Poemas</i>,
1930), insinua-se o caráter múltiplo que marca a poética muriliana, caráter
esse que tem tanto motivações estéticas – tão debatidas pela crítica com o
intuito de atestar uma obra “poliédrica” - quanto éticas. Estas, a meu ver,
precedem aquelas – e Murilo Mendes o exemplifica a contento ainda no seu
primeiro livro quando, no antológico poema “Mapa”, investe contra todo tipo de
mapeamento, sectarização, estabelecimento, a começar pelo tempo, os pontos
cardeais e a educação, inaugurando uma “bagunça transcendente”. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt; text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><strong>O mapa muriliano<o:p></o:p></strong></span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p></o:p></span><br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Diz Murilo Mendes no poema “Mapa”:<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span><br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt; text-align: justify;">
</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Almas desesperadas
eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Detesto os que se
tapeiam,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
os que brincam de
cabra-cega com a vida, os homens “práticos”...</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Viva São Francisco
e vários suicidas e amantes suicidas,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
e os soldados que
perderam a batalha, as mães bem mães,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
as fêmeas bem
fêmeas, os doidos bem doidos.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Vivam os
transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Viva eu, que
inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
Sou a presa do
homem que fui há vinte anos passados,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
dos amores raros
que tive,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
vida de planos
ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
tudo é ritmo do
cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
estou no ar,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
na alma dos
criminosos, dos amantes desesperados,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
no meu quarto
modesto da praia de Botafogo,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
no pensamento dos
homens que movem o mundo,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
nem triste nem
alegre, chama com dois olhos andando,</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
sempre em
transformação.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 2cm 0pt 5cm; text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">São palavras de um
libertário, de um sujeito que quer se libertar e também libertar os outros,
romper com a segmentação, com a “territorialização”, procedendo a uma
“desterritorialização”, como diria Deleuze. O “mapa” de Murilo Mendes desdiz o
nosso mapa de cada dia, que nos fecha num individualismo insano, para afirmar
um novo mapa, o mapa da verdade poética, que nos abre uma vivência coletiva.
Nesse novo mapa, sim, os viventes não estão limitados por quaisquer mecanismos
da chamada “vida prática”, não estão castrados por “nenhuma teoria”, estão,
finalmente, livres. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Trata-se de peça das mais ousadas não só da poesia brasileira,
mas da poesia moderna como um todo, que só encontra parâmetro em espíritos
inquietos como Rimbaud, Whitman, Lorca, Paz, Maiakóvski, Lezama, bem como nos
seus contemporâneos brasileiros, um Mário, um Oswald e um Drummond. Com este,
Drummond, também mineiro, o “Mapa” de Murilo Mendes guarda inegáveis
afinidades. Pensemos em poemas como “Nosso tempo”, “Cidade prevista” e
“América”, em que o autor de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A rosa do
povo</i>, movido pelos acontecimentos trágicos da Segunda guerra mundial, deixa
falar o sonho de uma sociedade em que todos vivam em comunhão. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O poema de
Murilo Mendes aponta para o fato de que essa comunhão, à medida que só pode se
efetivar realmente com a liberdade de cada um, é uma causa transtemporal, que
independe de contextos determinados, uma causa moral, uma causa ética, uma
causa profundamente poética. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">De todo modo, é significativo que dois poetas
mineiros já no século XX – Murilo e Drummond – tenham aguçado esse tipo de
questão -<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a da liberdade -, o que, antes
de mais nada, desperta-nos para o fato de que essa, ainda que não
objetivamente, também foi, ou acabou sendo, a questão de um Aleijadinho
(libertar a forma, deixar que ela se desdobre, “clonar” apóstolos, santos,
igrejas), a de um Cláudio Manuel da Costa (libertar a sensibilidade, ampliar as
faculdades imaginativas, “escrever” uma cidade) e a de um José Severiano de
Rezende, o rebelde simbolista que se libertou da batina de padre, nunca se
conteve nem mesmo nos limites da poesia e, no fim das contas, acaba se
libertando, como Murilo Mendes, do próprio mapa do Brasil, partindo para a
Europa e morrendo em Paris em 1931. </span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Portanto, o autor de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A poesia em pânico</i> e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Poesia
liberdade</i> tem, senão precursores, pelo menos predecessores no Estado onde
nasceu, ou, melhor dizendo, exemplos que talvez tenham contribuído, de alguma
forma, quem sabe como parte do imaginário que inevitavelmente nos complementa,
para que a liberdade se tornasse o próprio fundamento do seu gesto poético.
</span><span style="font-size: 12pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Essa liberdade que ainda não temos, que cada vez mais desconhecemos a despeito
de tanta propalada democracia, essa realmente “dificile liberté”, como diz
Lévinas, essa liberdade que não temos, no fundo, porque, se um dia a tivermos,
acontecerá aquilo que o “Mapa” de Murilo Mendes prevê: “o mundo vai mudar a
cara”. Será, acrescento, um “murilomundo”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><strong><br /></strong></span>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><strong><br /></strong></span>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><strong><br /></strong></span>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><strong>Este breve ensaio em tom de intervenção oral, um dos
inúmeros guardados que fico bestamente guardando, foi escrito em 2001 e lido pelo poeta mineiro Luís
Eustáquio Soares, em atenção generosa a uma solicitação que lhe fiz (eu estava
em viagem), em evento de lançamento de um Suplemento Literário de Minas Gerais (que
eu então editava) especial em homenagem ao centenário de nascimento de Murilo
Mendes no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Naquele momento, recebi uma carta
atenciosa da viúva do poeta, Maria da Saudade Cortesão Mendes – também poeta e
tradutora, filha do historiador e escritor Jaime Cortesão -, agradecendo-me,
desde Lisboa, pelo Suplemento e por este texto. Estranhamente – o que só se
explica em função do estado de desinformação em que estamos submersos com tanta
informação hoje em dia -, só no final de fevereiro último tomei conhecimento de
sua morte, ocorrida ainda em 2010, e fiquei bastante perplexo, porque era uma
das figuras poéticas do século XX que eu pensava que ainda teria o prazer de
alcançar vivas. Maria da Saudade completaria 100 anos agora em 2013 e aqui
socializo este texto – também – em homenagem a ela.</strong> <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-23310324291640037702013-02-17T09:27:00.003-08:002013-02-17T09:32:34.462-08:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><b><span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Poetas, políticos e polícias [parte 2]</span></b><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A imagem-Stevens<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Grande parte da
poesia produzida nos anos 90 no Brasil é marcada por procedimentos comuns, cada
livro parece com outro já lido, uma identificação que diz respeito, sobretudo,
aos limites do dizer. A impressão que fica, ao fim de cada leitura, é que havia
uma espécie de “código de trânsito” naquela produção que não podia ser subvertido,
um código que todos os poetas conheciam “de cor e salteado” e, naturalmente,
respeitavam. Esse cumprimento rigoroso do “código” é justamente o que nos faz
pensar num controle da sensibilidade, da sensação, que resulta num sufocamento
da dimensão empírica do sujeito em função de uma suposta dimensão mais racional.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Tal procedimento
teve suas motivações em leituras de João Cabral e dos concretos paulistas,
leituras que privilegiaram aquilo que acabou conferindo singularidade a essas
poéticas, o racionalismo, leituras superficiais, portanto, já que essas
poéticas também têm seu delírio, sua paradoxal transcendência na imanência.
Cabral, Augusto de Campos e Haroldo de Campos – Décio Pignatari nem tanto –
acabaram se tornando os poetas mais influentes na década de 90, até porque se tornaram
os mais presentes na cena poética, uma vez que Carlos Drummond de Andrade e
Paulo Leminski, que tinham uma presença marcante, morreram ainda no fechamento
dos anos 1980, em 1987 e 1989, respectivamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"> Drummond “rivalizava”, no bom sentido do
Harold Bloom de <i>The anxiety of influence</i>
(Oxford University Press, 1997), com Cabral, praticando uma poesia ligada ao
dia-a-dia, factual, dialógica; Leminski “rivalizava” com os concretos,
praticando uma poesia pop, jovial, “malandra”. Drummond e Leminski conceberam
uma linguagem poética, a um só tempo, rigorosa e prazerosa, para lembrar
Barthes, que tocava fundo – e ainda toca – na existência do leitor. Esses dois
poetas mantinham o elo com a imagem do poeta baudelairiano, o que era quase
óbvio no caso de Drummond, nascido na alvorada do século XX, egresso da
primeira hora modernista. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Não era tanto de
se esperar que Leminski mantivesse tal elo, não apenas devido ao fator idade,
mas, sobretudo, devido à intervenção da cultura norte-americana na formatação
da sensibilidade de sua geração, através do rock, da “pop art”, do cinema etc. O
poeta de <i>La vie en rose</i>, que alardeia
em seus últimos dias uma grande admiração pelo cinema – não-holywoodiano, claro
– norte-americano, mantém-se ligado à imagem-Baudelaire, bem como a todo o
Simbolismo, mantém-se intimamente conectado à cultura europeia, portanto.
Talvez a conjunção América/Europa em Lemisnki tenha seu estímulo em Oswald de
Andrade: “O cinema americano informará”, como diz o “Manifesto antropófago” (<i>A utopia antropofágica</i>, Globo, 1990). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O
desaparecimento de Drummond e Leminski, dois “poetas fortes”, para falar ainda
com Bloom, coincide com o início de um processo de adesão entusiasmada do
segmento letrado da sociedade brasileira ao eixo cultural estadunidense.
Trata-se, evidentemente, da consumação de um fato que vinha se verificando
desde os anos 1960, sempre encontrando resistência por parte da grande maioria
dos letrados, que se engajava ardorosamente em lutas contra o chamado “capital
estrangeiro”. No fim dos anos 80, essas lutas perdem seu sentido e,
automaticamente, a língua inglesa passa a ter primazia em relação à francesa e
poetas modernistas norte-americanos, como Wallace Stevens e Williams Carlos
Williams, são amplamente difundidos no centro cultural brasileiro, isto é, Rio
e São Paulo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Os grandes
debates, então, deixam de ser em torno de poesia para ser em torno de tradução
de poesia, especialmente do inglês para o português, uma luta em torno da
fidelidade ao original. O poeta paulistano Régis Bonvicino se tornaria ao longo
dos anos 90 o principal divulgador da poesia contemporânea estadunidense no
Brasil, traduzindo e editando autores como Robert Creeley, Douglas Messerli e
Michael Palmer. Todavia, foi num modernista, Wallace Stevens, que muitos novos
poetas brasileiros do fim dos anos 80, que queriam se diferenciar dos
“marginais” dos anos 70 tanto quanto da disciplina cerebral dos concretos,
encontraram um referencial altamente plausível, uma poesia sensata, digamos,
sem radicalismos formais nem conteudísticos, sem agonia, sem delírio, numa
palavra: sem relações comprometedoras. A propósito, Paulo Henriques Brito,
responsável pela tradução de Stevens para uma edição da Companhia das Letras,
chega a declarar que aprendeu fazer poesia também com esse exercício (“O filho
rebelde de Cabral”, entrevista a Carlos William Leite, Revista Bula, 2008, <a href="http://www.revistabula.com/">www.revistabula.com</a> / acesso: 13/02/2013)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Desprovida da
profundidade romântica que caracteriza a modernidade, a poesia de Stevens,
superficiosa, voltada para a descrição das coisas, nunca para a decidida
alteração da ordem natural das coisas, torna-se o paradigma da poesia
brasileira que se estabelece nos anos 90. Nesse paradigma, pode-se dizer que os
poetas desta última década do século reconheceram um uso da escrita capaz de
não repetir aquilo que, para eles, talvez tenha sido um “erro”, a causa dos
desastres que perseguiram os poetas da aurora da modernidade aos anos 70.
Reconheceram, portanto, uma “política da escrita” mais eficaz, mais apropriada
para a “nova ordem” sociocultural, um olhar que direciona o poema não para o
dissenso – que está no cerne da política mesma, conforme Rancière –, mas para o
consenso, que configura a anulação da política.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">As instituições
que zelam pela civilidade, sobretudo a Universidade e a imprensa, contribuem de
forma decisiva para o estabelecimento desse paradigma, para essa conversão da
imagem-Baudelaire em imagem-Stevens, do maldito em bendito, essa migração do
poeta de um mundo “sujo” para um mundo “clean”. Setores da universidade e da
imprensa acabam por reconhecer bom gosto nesse paradigma e o legitima, cabendo
aos poetas colocá-lo, portanto, em prática. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Régis Bonvicino<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">As instituições
que zelam pela civilidade, sobretudo a Universidade e a imprensa, contribuíram
de forma decisiva, ao longo dos anos 90, para o estabelecimento de um novo
paradigma no cenário poético brasileiro, para uma conversão da
imagem-Baudelaire em imagem-Stevens, do maldito em bendito, essa migração do
poeta de um mundo “sujo” para um mundo “clean”. Setores da universidade e da
imprensa acabaram por reconhecer bom gosto nesse paradigma e o legitimaram,
cabendo aos poetas colocá-lo, portanto, em prática. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Coube a Régis
Bonvicino dar início a esse processo de “stevenização”, como poderíamos
chamá-lo, da poesia brasileira, com seu <i>33
poemas </i>(Iluminuras), aparecido justamente em 1990, livro em que se
confrontam duas sensibilidades, aquela “coloquial-irônica”, que Edmund Wilson
identificou num pólo do Simbolismo francês, e outra, racionalizante, não
exatamente “sérioestética”, como o crítico norte-americano também definiu o
pólo Mallarmé-Valéry. Racionalizante porque já não está em questão a
“seriedade”, muito menos a “estética”, mas uma tentativa de racionalizar o
poema, o que implica, naturalmente, um distanciamento do lugar do acontecimento
poético. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Bonvicino, nesse
esforço de racionalização, promove uma considerável alteração no “rosto” do
poema, conferindo-lhe um aspecto escritural, de coisa grafada no papel, não
mais “soprada” contra o papel, depois de ter sido flagrada no ouvido, como
ocorreu no modernismo brasileiro de 22 e 30, no Gullar da <i>A luta corporal</i>, na Tropicália, em poéticas como a de Cacaso, Ana C.
e Francisco Alvim, enfim, essa apreensão oral do poético que já nos anos 80 foi
responsável pela efervescência da palavra cantada de um Cazuza, um Renato Russo
e, também, um Arnaldo Antunes, na senda aberta por um Itamar Assumpção ou mesmo
um Péricles Cavalcanti. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O esforço de
racionalização de Bonvicino tem prosseguimento no seu livro posterior a <i>33 poemas</i>, intitulado singelamente de <i>Outros poemas </i>(Iluminuras), publicado em
1993, e em seu <i>Ossos de borboleta </i>(Editora
34), aparecido em 1996, título que é um achado, sim, mas um achado preciosista.
Em <i>Ossos de borboleta</i>, Bonvicino
atinge o ápice do seu esforço de racionalização e se evidenciam sua
impossibilidade de conceber uma poesia totalmente distanciada do lugar de onde
o poeta fala, o que se deve ao fato de ser um poeta egresso do ambiente nada
“clean”, para não dizer insalubre, dos anos 70. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Não se trata de
poeta dos anos 90, tanto que acertadamente não foi incluído na antologia que
Heloísa Buarque de Hollanda organizou dessa geração, <i>Esses poetas</i> (Aeroplano, 1998). Seu livro <i>Céu-eclipse </i>(Editora 34, 1999) tem, sobretudo, o mérito de mostrar
por que Bonvicino é prevalentemente um poeta intervalar, do intervalo entre os
anos 70 e 90. Ainda é um poeta que experiencia a cidade, que anda pelas ruas,
que se envolve, de alguma forma, com o mundo exterior, apreende fragmentos
desse mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Contudo, estão
no Régis Bonvicino dos três primeiros livros citados – <i>33 poemas</i>, <i>Outros poemas</i>
e <i>Ossos de borboleta</i> –, bem como em
muitos dos poemas de <i>Céu-eclipse</i>, as
diretrizes básicas da poesia da Geração 90, sendo a principal delas o
posicionamento do poeta na cena poética, no instante de concepção do poema, que
é um posicionamento de observador, ideologicamente descomprometido, tanto
quanto possível, com o que observa. O próprio Bonvicino logra sugerir o que
sucede numa observação descomprometida e numa observação comprometida. Observemos
dois momentos de <i>Céu-eclipse</i>:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">O
sol<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">O
sol é céu<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">em
forma de azul<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">que
a água não repete<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">mesmo
em reflexo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">mente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">é
a forma de corpo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">sentindo-se
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">resignada<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">um
e outro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">como
o vento na água<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">031197<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Eu
também moro nas ruas. Uma ponta de cigarro na orelha e um cinzeiro – na mão.
“Você não parece morar nas ruas”. Um caco de dente na boca. Naquele instante,
edifícios saqueavam sombras, insones, parindo cobras. Ele poderia subitamente
ter sacado a faca, na calçada, disseram. Há margens debruadas de luzes.
Edifícios cúbicos movendo-se sob arcadas de samaúmas. Esquinas defuntas? E, sob
um arco, down town, lâmpadas inchadas medindo o horizonte. Correm vozes em desordem,
mudas, e um guincho talvez de guaxanim. De tarde, corvos latindo nas árvores e
cacto abrupto da casa. Estradas guiando noites. Quase ao lado do Johnnie´s,
Coffee shop, com seu leve jogo de luzes. Paredes não se encolhiam como sono.
Acqua & branco. Alba imóvel dentro do quarto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Nisso que estou
chamando de observação ideologicamente descomprometida, a realidade observada
mostra-se como algo facilmente manipulável por parte do observador, não
resistindo ao seu modo de observação, ao seu ponto de vista: “Sol é céu”,
“mente/ é forma de corpo”, “um e outro” são “como o vento na água”, ou seja,
nada de anormal, tudo muito natural. Por outro lado, a observação comprometida
com o que se observa, empenhada em conhecer intimamente a realidade observada,
interpela o observador: “Você não parece morar nas ruas”, diz essa realidade. E
o observador libera a escrita, conota, duvida, cogita: “Ele poderia subitamente
ter sacado a faca”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A realidade,
quando observada de perto, com um sujeito comprometido com sua compreensão, revela-se
ativa, ofensiva, agressiva. O posicionamento distanciado da realidade observada
é, na poesia dos anos 90 no Brasil, uma tentativa, da parte do poeta, de se
preservar de um possível envolvimento comprometedor com o entorno, uma
precaução em relação a possíveis agressões perpetradas pelo exterior, pelo
“lado de fora” do pensamento, como diria Foucault. Trata-se de um
posicionamento, portanto, estratégico, político, que evita o confronto. A base
implícita desse posicionamento não poderia ser outra senão um policiamento da
sensibilidade, um controle das forças emotivas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Carlito Azevedo<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Não é Bonvicino,
como foi dito, que radicaliza esse tipo de posicionamento diante da realidade,
não cabendo a ele, assim, o mérito ou demérito pela articulação definitiva da
poeticidade com a politicidade e a policialidade na poesia dos anos 90 – o
poeta paulista, talvez até involuntariamente, apenas abre caminho para tal
procedimento. Quem realiza essa articulação definitiva é Carlito Azevedo, poeta
típico dos anos 90, cuja estreia se dá justamente em 1991, com <i>Collapsus linguae </i>(Imago), uma poesia
basicamente literária, “sampleando” as mais diversas poéticas, do poema-minuto
modernista às destruições morfossintáticas dos concretos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Percebe-se, ao
lado dessa vontade de conciliação de linguagens, inegavelmente ligada ao desejo
de legitimação de um discurso, um pendor espontâneo à ironização que confere um
tom “decadentista” a <i>Collapsus linguae</i>,
um movimento no sentido de resgatar o horizonte poético jocoso de um Tristan
Corbière, por exemplo, um movimento que nunca logrou despertar muito o interesse
dos poetas brasileiros. Talvez apenas Sebastião Uchoa Leite, Leminski e o
primeiro Bonvicino, de livros como <i>Régis
hotel</i> (1978) e das versões de Jules Laforgue, tenham sido os poetas brasileiros
contemporâneos mais sensíveis a essa vertente “coloquial-irônica”, da qual
parecia, naquele início dos anos 90, que Carlito Azevedo se tornaria um mestre.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O primeiro livro
de Carlito nos revela um poeta geneticamente bem humorado, transitando em meio
aos enunciados autoritários do mundo artístico-literário, sem querer aderir a
nenhum deles, repetindo todos, respeitando todos. Tratava-se apenas, ao final
das contas, do poeta estratégico, que desconfiava de tudo que ouvia já no início
do processo de concepção do poético, um poeta que só assimilava o “estalo”, o
ruído, após proceder à sua estilização, como está dito no poema “Da inspiração”,
que é o atestado preciso da poesia dos anos 90 no país:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Desconfiar
do estalo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Antes
de utilizá-lo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Mas
sendo impossível<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">De
todo aboli-lo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Desconfiar
do estalo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Dar
ao estalo estilo <i> </i> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">NOTA Este texto
é a segunda parte de um ensaio apresentado originalmente como conferência em
2000 na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que permaneceu inédito e
está publicado atualmente em Orobó | Kadernu di Ynwenssões <a href="http://www.revistaorobo.blogspot.com.br/">www.revistaorobo.blogspot.com.br</a>
ANELITO DE OLIVEIRA<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-45322213211483999792013-02-11T15:31:00.003-08:002013-02-17T09:33:58.900-08:00ENSAIO | Anelito de Oliveira <b><br /></b>
<b><br /></b>
<b><span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Poetas, políticos e polícias [Parte 1]</span></b><br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: large;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">À procura do elo perdido<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A poesia
brasileira aparecida ao longo da década de 1990 foi vista com bastante
entusiasmo, principalmente por pesquisadores universitários, por poetas estabelecidos
que se reconheciam como seus influenciadores e, claro, pelos próprios novos
poetas. Pode-se falar mesmo de uma certa unanimidade, entre os produtores e
receptores dessa poesia, em torno de um caráter positivo da diversidade de linguagens
que caracteriza aquele momento, tanto em termos formais quanto conteudísticos,
o que não aconteceu em períodos anteriores, sempre marcados por posicionamentos
ortodoxos, pela intransigência dos grupos fundamentados em valores estéticos e
ideológicos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Nos anos 90,
cada um passou a fazer o que queria fazer: poesia verbal, visual, videopoesia,
infopoesia, poesia sonora, soneto, poema-piada, balada, hai-kai, poesia negra,
poesia gay, poesia feminina, neobarroca, modernista etc, um vale tudo.
Assistimos, sem dúvida, a um espetáculo de democracia na cena poética, reflexo
natural da chamada “abertura democrática” de 1985. Nunca se escreveu tanto, nunca
a produção de livros de poesia foi tão grande, nunca houve tantas revistas
voltadas para a divulgação de poesia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Impossível negar
a importância de toda essa efervescência para o processo sociocultural
brasileiro como um todo, impossível negar a pertinência da democratização do
espaço poéticoliterário. Não é isso, portanto, que pretendo sequer sugerir
nestas linhas, não quero, para lembrar Leminski, “fazer chover no piquenique”
da geração 90, mas apenas introduzir uma interpretação que me parece relevante,
uma problematização fundamental em toda tarefa de interpretação, que é a de
restabelecer o elo entre a voz e o lugar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Esse elo, que
corresponde à relação entre ideias e coisas, perde-se, oblitera-se ou
dispersa-se inevitavelmente quando se fala, e, mais ainda, quando se escreve,
ainda mais quando se trata de uma escrita incontrolavelmente conotativa, como é
o caso da escrita literária e, de maneira muito particular, da escrita poética.
Quando se escreve, perturba-se, inevitavelmente, a relação natural entre planos
ideal e real; quando se escreve muito, a tendência é essa perturbação aumentar,
tudo se nos apresentando embaralhado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A perturbação é
inerente à escrita, que vem a ser o alicerce da democracia, como argumenta
Jacques Rancière em <i>Políticas da escrita</i>
(Editora 34, 1995, p. 9-15): <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Ora, a escrita é
aquilo que, ao separar o enunciado da voz que o enuncia legitimamente e o leva
a destino legítimo, vem embaralhar qualquer relação ordenada do <i>fazer</i>, do <i>ver </i>e do <i>dizer</i>. A
perturbação teórica da escrita tem um nome político: chama-se democracia. (...)
Há democracia – e política, consequentemente – porque há palavras sobrando,
palavras sem referente e enunciados sem pais que desfazem qualquer lei de
correspondência entre a ordem das palavras e a das coisas. A deserção
democrática da incorporação comunitária é solidária da deserção literária da
encarnação. Literatura e democracia são dois modos de invenção de quase-corpos
ou de incorpóreos cujo dispositivo fragiliza as encarnações e as identificações
que ligam uma ordem do discurso a uma ordem das condições. Essa comunidade
estética da separação é uma comunidade política da deslegitimação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Do Barroco a
Baudelaire<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Nossa “comunidade”
ocidentalizada tem em comum a experiência do “veto ao ficcional”, do “controle
do imaginário”, como explorou exaustivamente Luiz Costa Lima (<i>O controle do imaginário & A afirmação
do romance</i>, Companhia das Letras, 2009), toda uma tradição de repressão que
a arte tem procurado, desde os antigos trágicos gregos, rechaçar, um ideal
intimamente ligado à vontade de humanização do homem, como ficou modernamente dito
pelos românticos alemães, de Goethe a Novalis. Rechaçar a tradição da repressão
equivale a instaurar o “regime da letra órfã”, nos termos de Rancière,
independente de “pai”, a letra arbitrária, selvagem, subversiva, que não
depende de um Senhor para legitimá-la, como se ela não pudesse realmente
estabelecer-se na presença do “pai”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Este
entendimento está claro, a meu ver, nas três principais poéticas da Modernidade
ocidental: a barroca, a romântica e a simbolista, poéticas da desrepressão,
pode-se dizeer, marcadas que são pela vontade de fazer emergir as sombras, as
incompletudes, os dilaceramentos que constituem o sujeito no mundo. Interessante
notar que aquilo que consideramos Barroco é relativamente “vizinho” de dois
eventos de “liberação” da letra, o Renascimento e a invenção da imprensa.
Barroco, Romantismo e Simbolismo são poéticas que, diferentemente da poética
clássica de extração romana, não se relacionam de forma autoritária com o real,
o que lhes permite colocar em xeque qualquer primado absolutizante de verdade,
de belo, logrando explicitar, consequentemente, a crise do sujeito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O reconhecimento
do significado profundamente positivo dessas poéticas veio, a partir do final
do século XIX, dos próprios modernismos, sobretudo, que no fundo são, por toda
parte, reverberações do Barroco, do Romantismo e do Simbolismo, como, frisando
as duas últimas poéticas, reconhece Alfredo Bosi, no seu <i>O ser e o tempo da poesia</i> (Cultrix, 1990, p. 151):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">(...) a
verdadeira poesia seguiu a senda aberta pelos românticos e pelos simbolistas
inventando mitologias libertadoras como resposta consciente e desamparada às
tensões violentas que se exercem sobre a estrutura mental do poeta. O
Surrealismo e o Expressionismo são viveiros de mitos pessoais ou de pequenos
grupos em que se projetam desejos de expansão titânica ou demoníaca de homens
cuja força de ação se inflete sobre si mesma, incapazes que são de dominar
sistemas cada vez mais anônimos. Demiurgo da própria impotência, o poeta tenta
abrir no espaço do imaginário uma saída possível. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Dessas três
poéticas descende a imagem que temos do poeta na modernidade. O poeta como
estranho, o albatroz baudelairiano, “exilé sur le sol”, impedido de voar pelas
próprias asas gigantes, o satã, o amaldiçoado, o maldito, o rebelado, o
abandonado, o isolado. Tudo isso vale para Baudelaire tanto quanto para
Rimbaud, Mallarmé, Blake, Hölderlin, Whitman, Cruz e Sousa etc. Baudelaire é a
imagem-síntese do poeta na alta modernidade, o lírico que flana entre as ruínas
do capitalismo, como o fixou Walter Benjamin (<i>Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo</i>, Brasiliense,
1994), mas também o poeta que estabelece uma conexão entre a modernidade, socioeconomicamente
entendida, e o Barroco, operando com uma “raison baroque”, como mostra Christine
Buci-Glucksmman (<i>La raison baroque: de
Baudelaire a Benjamin</i>, Galilé, 1984). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Essa imagem
baudelairiana do poeta contém, portanto, uma estranheza psíquica, cultural,
espacial e temporal, toda uma estrangeiridade que, até mesmo em função da sua
encarnação no século XIX, passou a constituir a identidade do poeta nas
primeiras três décadas do século XX. A imagem-Baudelaire está em Maiakóvski, em
Lorca, em Pound, em Eliot, em Celan, em Trakl, em Vallejo, em Pessoa, em
Sá-Carneiro, em Paz; está, em termos nacionais, em Mário, em Oswald, em Emílio
Moura etc. Entretanto, no caso do Brasil, essa imagem aparece encarnada já no
século XIX em Cruz e Sousa, que, através de Baudelaire, passou a “pensar a arte
como espaço de representação dos abismos, da dor e do horror”, conforme o
lúcido olhar de Ivone Daré Rabello (<i>Um
canto à margem: uma leitura da poética de Cruz e Sousa</i>, Nankin/Edusp, 2006).
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Também assimilam
essa imagem poetas como os mineiros Alphonsus de Guimaraens e José Severiano de
Rezende, mas é Cruz e Sousa que, com seu negro inferno, confere um traço
diferencial brasileiro a essa imagem. Cruz e Sousa não é, obviamente, paradigma
para a produção poética brasileira do século XX, apesar de sua fortuna crítica,
de seus inúmeros adoradores e do respeito que muitos nomes ilustres lhe
devotaram. Cruz e Sousa, que mais se aproxima da imagem baudelairiana do poeta,
tem alguma coisa a ver com a desconexão dos poetas dos anos 1990 com Baudelaire
no Brasil? Com esta pergunta, retornemos ao agora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><b>NOTA | Este texto é a primeira parte de um
ensaio originalmente apresentado como conferência em 2000, na Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), que permaneceu inédito e, neste momento, está publicado em Orobó | Kadernu di Ynwenssões www.revistaorobo.blogspot.com.br. ANELITO DE OLIVEIRA</b><o:p></o:p></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-74823662642365734152013-01-22T12:09:00.004-08:002013-01-22T12:10:14.102-08:00CRÍTICA | Anelito de Oliveira<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Convite
ao desvio<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Compreende-se
facilmente o silêncio da crítica, ou do que ainda existe sob esse nome, em
relação à poesia, especialmente aquela que se apresenta no suporte livro. Não é
fácil pensar o que se mostra em palavras, rimas, ritmos, estrofes, quando temos
plena consciência – ainda que também saibamos se tratar de uma consciência
possível – de que a questão não se esgota nisso que vemos e lemos. <i>Ouro Preto</i>, livro de poemas de Mário
Alex Rosa recentemente publicado pela Scriptum, é exemplo da complexidade da
poesia escrita e enfeixada em livro. Aparentemente, é uma poesia conformada ao
enunciado, que não teria nada a nos dizer para além do que já está dizendo, uma
linguagem que se bastaria a si mesma. Assim, uma leitura ideal dessa poesia
seria aquela imanentista, subordinada ao texto, “close reading”. Mas, para além
da aparência, <i>Ouro Preto</i> é, já a
partir do título, um convite ao desvio do visível, do que se dá a ler, em
função do que, numa experiência lírica muito honesta, que é a desse autor
mineiro, escapa à sistematização, a um pensamento ainda que sensível,
“poético”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ouro
Preto</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> nos convida a ultrapassar a exterioridade – uma
cidade – em direção à interioridade, ao sujeito. Nesse movimento – pensado,
obviamente – é que uma voz vai-se distinguindo de outras tantas vozes que
abordaram Ouro Preto – de Cláudio Manuel a Affonso Ávila, passando por Murilo e
Cecília. Não é só o timbre do poeta que é diferente, mas, sobretudo, o “logos”
que subjaz a essa voz, o seu modo de pensar Ouro Preto, que é “sentimental”, no
sentido schilleriano, marcado pelo sentimento da perda, do desligamento, de um
choque, enfim, no plano afetivo. A cidade de Ouro Preto, com seus lugares hoje
catalogados como históricos, é o cenário do objeto dessa perda, que é o amor.
Falar de Ouro Preto, ao longo de todo o livro, significa falar desse amor
perdido, e vice-versa, o que resulta numa conjunção muito fértil – porque
problemática – de elementos públicos e privados. Fértil porque estimula a
criação; problemática porque subordina a criação a um horizonte ideal, que é o
de um amor romântico, um horizonte afim, consequentemente, de uma Ouro Preto
ideal, cultivada por um sujeito que, no limite, passa a ser também idealizado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">À medida que joga com
dados hauridos na experiência, numa relação amorosa, Alex Rosa demonstra que
não é um poeta idealista no sentido forte. Suas cenas de amor se passam na
Ponte de Antônio Dias, na Casa Guignard, na Ponte de Marília, na Praça Tiradentes
etc. Esses dados concretos, reais, não fazem dele um poeta realista, claro, mas
nos levam a lê-lo, no mínimo, como um poeta de “consciência crítica”, para
recordar Affonso Ávila. O procedimento idealista que permeia Ouro Preto, o
pessoano “fingir que é dor”, porta uma intencionalidade, evidentemente (a
consciência se define pela intencionalidade, pensava Husserl, como se sabe),
sobre a qual é preciso refletir. O livro de Alex Rosa se coloca sob o signo do
diálogo, como nos alerta o poema de abertura, com a tradição literária, uma
intenção implícita na recorrência a Ouro Preto, “cidade letrada” (Rama) por
excelência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ressoando Gullar,
Drummond, Alphonsus, o poema de abertura, “Cantiga que não responde”, inscreve,
no rastro da pergunta renitente (“Quem poderá dizer”, “Quem poderá responder”,
“Quem salvará a menina”), o desejo de um poeta de que a poesia possa “resolver”
algo na ordem do simbólico que, por sua vez, “ordena”, desde o âmago, o real
socialmente compartilhado, o plano com que lidamos na cotidianidade. Mário Alex
Rosa, não há dúvida, acredita no poder ordenador da poesia, o que se percebe na
cautela com que elabora seus poemas, na vontade inequívoca de manter o controle
do que escreve. Isso explica, em termos conteudísticos, por que a abordagem do
amor perdido nunca descamba para desabafos, nunca resulta nas “baixarias” do
discurso amoroso. O ideal estético, de uma poesia bastante disciplinada,
“limpa”, pensada, prevalece mesmo em face da premência, assentada no
sofrimento, que o sujeito tem de falar de si, de abrir seu “coração”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Esse ideal estético é
antibarroco ou, se quisermos, defensivo em relação ao barroco, como o poeta
revela em “Diariamente na Ponte de Marília”: “A rima é velha, até mesmo gasta,/
mas volto a ela para dizer que/ não sou homem barroco,/ condição tão vária;
estou oco?/ Estou louco?/ Não explica nada”. Este poema (que não é simples,
que, como tantos do livro, apenas se traveste de simples, é idealmente simples)
é desnecessário para a configuração do perfil antibarroco do poeta. Seu desejo
de ex-plicação – isto é: de dissolução das “plicas”, das dobras que configuram
o barroco, como postula Deleuze -, uma racionalização para-clássica, fundamenta
o gesto poético em <i>Ouro Preto</i>:
ex-plicar um evento amoroso, ex-plicar uma perda, ex-plicar lugares onde se
passou o amor perdido. Poemas como “Notação”, “Exposição”, “Da falsa formação”,
“A arte de Elizabeth Bishop”, “Conversa num café” e “Lendo E. D.” escancaram
esse desejo de ex-plicação por parte do poeta, um desejo de clareza contrário,
à primeira vista, ao barroco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Todavia, tão – ou mais
– importante do que o poeta diz em “Diariamente na Ponte de Marília”, ou seja,
que não é homem barroco, é o que ele também já está dizendo no rastro da
negação: que ser barroco não é uma questão apenas de significante, de rima, de
superfície, mas também de significado, de substância. Esse poema é falsamente
simples, volto a dizer, porque não se esgota no que diz, no enunciado, na
relação de um sujeito com seu objeto amoroso, porque implica a tradição
literária, porque pensa a partir de um poder ordenador da poesia, no qual o
poeta acredita e acaba por ser um dos complicadores do seu gesto. Assim, diz
ainda o poema em questão: “O vale cedo ou tarde/ invade a tua casa, a tua
cidade./ Não espera Marília passar,/ ela um único pastor/ soube amar”. </span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em face
deste desdobramento, que sugere uma intempestividade afim do barroco, pode-se
dizer que, apesar do ideal para-clássico do poeta, o mundo ouropretano visado
se barroquiza, entra em ebulição e contagia o sujeito, colocando-o numa
situação crítica. Daí, no desfecho do poema, lemos: “A minha rima é pobre/ mas
ainda trago feito nobre/ o amor que ora te ofereço/ na desgraça de quem por
pouco/ não se mata./ Mas, se por azar outra vez errar,/ esse diário não será
tarde demais?”. O mais importante neste poema irregular, errado e errante, não
é a questão esteticista, a recusa do
barroco e o intertexto com Gonzaga, mas a sincera impossibilidade, da parte do
sujeito, de não jogar com a própria vida no ato de criação, o que significa
acionar um conjunto de forças que o sujeito não controla totalmente, não
domina, forças que, na realidade, dominam esse sujeito, oprimem-no e o obrigam,
por outro lado, a travar uma dolorosa luta pela emancipação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em poemas como “Ouro
Preto”, “Oito de julho” e “Visita”, os mais consistentes do livro, assistimos à
narrativa dessa luta. Não é uma luta circunscrita ao poema, a drumondiana luta
com palavras, mas uma luta pela compreensão do entorno do outro e de si. O que
anima essa luta é o ideal, sem dúvida, da poesia como força ordenadora, mas
esse ideal esbarra sempre nos “muros” da história (“os homens endurecidos/ não
sabem abrir porta”), que se revela uma contraforça desordenadora. No desfecho
de “Visita”, Mário Alex Rosa escreve que “Este poema apenas tangencia/ a falta
que nunca acaba/ o fim de todas as coisas”. Trata-se de uma visita a Ouro
Preto, à história, à tradição literária, ao amor romântico etc. Trata-se de uma
visita movida por um ideal e, ao final, um reconhecimento da frustração desse
ideal. Mas é justamente nesse reconhecimento que se revela o fundamento crítico
da poesia de <i>Ouro Preto</i> que, no nível
do enunciado, não é tão fácil perceber, mas que está ali, para além do dito, na
forma cultivada há tantos anos por esse discreto e comovido poeta. <o:p></o:p></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-21556474994749979652013-01-21T10:10:00.002-08:002013-01-21T10:14:15.058-08:00DEBATE | Anelito de Oliveira<div style="text-align: justify;">
<b>Apropriações de Drummond</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">O que está acontecendo com a cultura brasileira hoje? Por que tanta recorrência a Drummond? Claro, está fora de questão, como sempre esteve para mim, a importância da obra de Drummond na poesia moderna em geral. Mas durante muito tempo - do</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">s anos 60 aos 90 -, Drummond era mais uma fotografia na parede das elites culturais brasileiras do que um poeta para se ler e se cultuar. Aliás, era mais uma personalidade poética, uma imagem romantizada de poeta, que uma obra. Se não fosse a atividade de cronista, Drummond sequer tinha ficado na mídia durante a longa noite ditatorial, período em que escreveu, inclusive, muita poesia de péssima qualidade, como os versos de circunstância em homenagem a figuras econômica e politicamente importantes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">Hoje, há uma tendência a um culto incondicional a Drummond, acrítico, que parece ter a ver com a eterna consciência culpada das elites brasileiras. Parece que a proposta é perceber um Drummond-porto-seguro, altamente positivo, que, se existe, nunca foi nem será o mais interessante. O que interessa é o Drummond instável, que não encontra explicação para nada, que está sempre à beira do suicídio, o Drummond-José que se reconhece confrontado com as estruturas sociais de um país velho demais, colonial demais, casagrande demais, mineiro demais. O que interessa - e parece que não é o que está interessando nas apropriações conservadoras, acadêmicas, indébitas, de Drummond - é o Drummond que escreveu: "o ódio é o melhor de mim". </span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><span style="font-size: 12.800000190734863px; text-align: left;">Que Caetano, Chico e Fernanda, que não ignoram o fundamento agonístico da experiência poética, contribuam para mostrar a todo um povo boçal - deseducado pela Globo, pelos Cadernos Culturais e por medíocres professores de literatura - quem é realmente o poeta Drummond que tanto respeitamos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><b>NOTA: Comentário escrito no Facebook em face de notícia sobre leitura - ver no Youtube - que Caetano Veloso, Chico Buarque e Fernanda Montenegro fazem de poemas de Carlos Drummond de Andrade. www.facebook/anelitodeolivei</b></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-15934712490653480882013-01-20T09:50:00.001-08:002013-01-20T20:49:23.413-08:00DEBATE | Anelito de Oliveira<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: lucida grande, tahoma, verdana, arial, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"><b>Questão cultural hoje</b></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">O que se passa no país como um todo hoje é uma destruição da cultura pelo Estado e seus comparsas. Não existem Secretarias de Cultura em Minas Gerais, na prática, tampouco Ministério d</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">a Cultura e outros órgãos de potencialização da cultura. O que existe, na verdade, são instâncias de negociação da cultura em prol dos negociantes do país. Quem é a Secretária de Cultura de Minas Gerais? Quem é a Ministra da Cultura? Não reconheço nenhuma autoridade nessas figuras para falar pela cultura. É muito compreensível que sequer falem pela cultura, já que foram agraciadas com os respectivos cargos para calarem sobre a cultura. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">Como entender, aliás, que PT e PSDB não se diferenciem radicalmente em relação ao tratamento institucional da cultura? Claro que a democratização, que caracterizou a gestão Gil/Juca - na linha do que ocorreu em outras gestões do PT - é um traço importante, mas ainda foi e é pouco. Não há nem haverá jamais gestão cultural autêntica no país sem enfrentamento frontal dos valores da indústria cultural, que significa enfrentamento dos paradigmas das elites estadunidenses arraigados nos seus sócios nos canais de TV, nos jornalões, nas gravadoras, nas rádios, nas editoras, nas produtoras e distribuidoras de cinema e até nas universidades. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">Os gestores de cultura que nos são impostos a cada dois e quatro anos não passam, na maioria das vezes, de bobos da corte, encantados com o cargo que ocupam porque sabem, no fundo, que num país com densidade crítica jamais seriam lembrados para representar uma área decisiva para toda sociedade. Em síntese, é este meu ponto de vista: nós, que estamos do lado da cultura, precisamos enfrentar o Estado, não pessoas - ministrazinha, secretariazinhas e secretariozinhos de uma ideia equivocada, burguesa, mesquinha, de cultura, ou seja, cultura como alta cultura. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">Enfrentar o estado é tarefa coletiva, política, organizada. Precisamos retomar os Encontros populares de cultura, Festivais de cultura, publicações alternativas, movimentos culturais os mais diversos, inventar coisas radicais, puxar, sobretudo, um grande movimento contra as safadas leis de incentivo à cultura, esse expediente neoliberal que engessou os fazedores de cultura no país. Como disse o saudoso Itamar Assumpção, numa canção-manifesto do seu "Pretobrás", "porcaria na cultura tanto bate até que fura". </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;">As elites - e agora me lembro de outro músico maldito, Mr. Elthomar Santoro Jr., de uma cidade onde o prefeito ousou até acabar com a Secretaria de Cultura, a Montes Claros de Darcy Ribeiro! - "emporcalharam" a cultura brasileira. Precisamos lutar, lutar e lutar contra esse estado de coisas e não nos beneficiarmos, como muitos espertos têm feito, desse estado (deplorável) de coisas. Na cultura, como nos demais departamentos da sociedade brasileira hoje, falta coragem e sobra covardia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 12.800000190734863px; line-height: 18px;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: lucida grande, tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="line-height: 18px;"><b>NOTA: Texto escrito como comentário a uma postagem do poeta, jornalista e pesquisador João Evangelista Rodrigues no Facebook. www.facebook/anelitodeolivei</b></span></span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-56833010496171207932013-01-17T11:21:00.000-08:002013-01-17T11:32:12.254-08:00ENSAIO | Anelito de Oliveira<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A
lebre e a serpente</span></b><br />
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i>1. Fricções</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Ao final da 10ª
Flip (Festa Literária de Paraty) 2012, dia 08 de julho, o poeta carioca Carlito
Azevedo dedicou um texto a Carlos Drummond de Andrade, homenageado pelo evento,
com o título de “Querido príncipe”. O trabalho foi estampado na última página
do Caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, no mesmo dia. Azevedo teria levado
o público às lágrimas, segundo o noticiário do dia sobre o evento, com a
leitura do texto, impacto decisivo para a classificação e consagração do trabalho
pelos formatadores dos fatos, jornalistas, editores. Em função do que causou ao
público, da comoção provocada, “Querido príncipe” não seria apenas uma carta a
Drummond, mas já um poema em prosa, um caso de poesia, portanto. Será que é
mesmo? Suspendendo o senso comum sobre poesia, podemos friccionar esta pergunta
em várias direções, racionalizá-la de modos diversos, sem pressa de encontrar
uma resposta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Um primeiro
modo: em direção à poesia; um segundo: em direção à cultura em geral; e um
terceiro: em direção ao autor. Definir
“Querido príncipe” como um caso de poesia, como um poema em prosa, é
admissível, claro, mas problemático. A reação do público, qualquer público, é
momentânea, ocasional, e não acompanha o produto estético, seja qual for, senão
como referência distante, primária. Como tal, não deixa de ser importante – que
o digam Jauss e seus sucessores na estética da recepção –, mas é sempre uma
importância relativa, que não pode ser absolutizada a ponto de constituir um selo
de qualidade total de uma obra de arte. Assim, lendo “Querido príncipe” na
Ilustríssima - tudo muito machadiano, claro, ou brasiano -, fora da festa
literária, tendemos a estranhar negativamente aquilo que, no contexto de uma
homenagem, soa familiar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Trata-se de
estranhamento produtivo, que tem a ver com um desejo de perceber o que lemos de
um modo mais sagaz, que seria aquele desejado, de alguma forma, confusamente
desejado, pelo sujeito, por aquele que subjaz à máscara autoral, o recalcado
como parte do jogo literário, do mascaramento exigido, imposto, pelo mundo
literário – o sujeito nunca mente. Assim, estranhamos, no texto de Carlito
Azevedo, a intimidade entre o eu que ali diz e o outro sobre quem esse eu diz,
entre enunciador e enunciado, a intimidade que nos faz crer numa velha amizade,
mais, num grau elevado de parentesco. À medida que estranhamos, rompemos com a
natureza familiar de que o texto se reveste, aceitamos, no mínimo, lidar com a
possibilidade de estarmos diante de algo como uma familiaridade postiça,
artificiosa, entre um eu pós-moderno, digamos, e outro moderno, aliás,
criticamente moderno. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">O eu se volta
para o outro como se ambos, Carlito Azevedo e Carlos Drummond de Andrade,
compartilhassem, ou tivessem compartilhado em algum tempo, uma relação
altamente harmônica, uma mútua identificação, uma cumplicidade ética, estética,
humana. E, neste caso, o fato de se tratar de um “constructo” no plano ideal não
pode ser evocado como algo que torna o enunciado menos real; ideal e real,
evidentemente, complementam-se na dinâmica mesma da configuração do poético: o
ideal é real, para lembrar Hegel, e vice-versa, para um poeta, o que nos remete
sempre à natureza indeterminada do real. Ironicamente, o sentimentalismo,
chegando às raias do ridículo, a pieguice que desmerece o que dignifica a obra
do homenageado, é, em “Querido príncipe”, o atestado preciso do quanto o
célebre poeta carioca se difere do modernista profundamente mineiro, uma
diferença, pode-se dizer, absurda.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O
sentimentalismo, melhor, o derramamento, constitui uma espécie de
reconhecimento, por parte do eu, de que, na contramão de Rimbaud, não é
realmente o outro. E gostaria de sê-lo?, eis a questão. Depende, como tudo na
cena cultural brasileira dos anos 1990 para cá, depende do que o sujeito
“ganha” com isso, já que sua ação se define objetivamente como interessada, como uma ação no mundo das trocas simbólicas
– trata-se do campo das artes -, mas nem por isso menos materiais. Naquela
situação, numa homenagem a Drummond, sim, o eu gostaria de ser o outro visado, mas
no espaço literário em geral, configurado em termos sociohistóricos, não, claro
que não. Carlito Azevedo está vinculado a um sério processo de negação do poeta
mineiro, de tudo aquilo que esse poeta representa de mais autêntico, um
processo que poderíamos entender como sendo de desdrummondianização da poesia
brasileira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><i>2. A cabralização</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O que Drummond
representa de mais autêntico é, sem dúvida, a politização, sem precedentes, da
poesia local, no sentido de investi-la insistentemente da perturbação, como diz
Jacques Rancière no seu <i>Políticas da
escrita</i>, do corpo social. É o poeta de um permanente dissenso, que não pode
ser atribuído apenas à parte literária nem ao todo cultural, mas a uma
dramática relação entre a parte e o todo, entre literatura e cultura. A
compreensão astuciosa, por parte de toda uma geração – que tem em Carlito
Azevedo o seu legítimo representante – disto que é Drummond impulsionou, sem
dúvida, o processo de desdrumondianização nos anos 1990, quando Drummond –
morto realmente em 1987 – já tinha morrido potencialmente no âmbito da poesia
nos anos 1960, quando passa a ser mais uma referência de cronista, “mestre de
coisas”, na expressão de Haroldo de Campos em <i>Metalinguagem e outras metas</i>, no sentido também de generalidades,
não mestre de texto rigorosamente, de poesia autônoma, intransitiva. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Com a ausência
física de Drummond, de uma personalidade literária assustadora, como o texto de
Carlito, aliás, informa, João Cabral passa a ser a referência maior de poesia
no país, o exemplo de poeta a ser seguido, reverenciado, imitado. No país quer
dizer, óbvio, no eixo Rio-São Paulo e suas extensões culturais, Belo Horizonte,
Curitiba, Porto Alegre, onde fervilha com mais vigor a indústria cultural. As
coletâneas que Carlito Azevedo publicou nessa década – </span><i style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Collapsus linguae</i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">, </span><i style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">As
banhistas</i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> e </span><i style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Sob a noite física</i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> –
são exemplos notáveis desse processo de cabralização da poesia brasileira, uma
cabralização diferente – reacionária, pode-se dizer – daquela que encontramos
arraigada no projeto da poesia concreta, num Augusto de Campos, especialmente,
bem como num Sebastião Uchoa Leite ou num Armando Freitas Filho. Nestes, Cabral
é referência de materialização, de plasticidade, de mundo das coisas, ao passo
que, para a geração de Carlito, Cabral é referência de desmaterialização, de
racionalização, de mundo das ideias – e, pior, fixas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">A cabralização
da poesia brasileira por Carlito Azevedo e sua geração – grande parte dos
poetas publicados pela Sete/7 Letras, pela revista Inimigo Rumor e pela Coleção
Ás de Colete da CosacNayfi, em edições bem cuidadas pelo excelente editor de
poesia que é o próprio Azevedo – nos anos 1990 logrou “destruir” com mais
perspicácia a referência drummondiana, que atualizava a referência
baudelairiana, fundante da lírica moderna em sua vertente francesa. Pode-se
falar, certamente, numa espécie de “destruktion”, no sentido heideggeriano, de
uma destruição da natureza metafísica, marcada pelos universais, que
perseverava na poética drummondiana como um todo, como princípio criativo – o
homem, a verdade, o sentimento. Dessa destruição, surgiu a poesia objetiva,
asséptica, dos anos 1990, que nos
apresenta um poeta cordial, disposto a “negociar” o que deseja dizer, conforme
o viu Heloísa Buarque Hollanda na sua antologia <i>Esses poetas. </i>Como se destrói a referência drummondiana, afinal?, é
a questão que não pode permanecer ignorada, que precisa ser pensada
suficientemente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Esta pode ser
uma via de pensamento. Vejamos: “Querido príncipe” não é rigorosamente um poema
em prosa, na esteira da tradição simbolista, que constitui uma radicalização de
preceitos da poesia moderna, não da prosa. O poema em prosa tende a um “dehors”, a um fora, da literatura, para lembrar o
instigante <i>La pensée du dehors</i> de Michel
Foucault sobre Maurice Blanchot, a um movimento de supressão da literatura com
a literatura, de tal forma a expor a “língua vernacular”, como queria o Conde
de Lautréamont, conforme sublinhou de modo preciso Kristin Ross na sua reflexão
sobre o campo social na obra rimbaudiana em <i>The
emergence of social space</i>. No texto de Carlito Azevedo, o movimento é
justamente oposto, em direção ao lado de dentro da literatura, movimento que em
si mesmo constitui postulação de que há um lugar exclusivo da literatura, lá
onde leitores e autores – que também são leitores; tudo se reduziria ao mundo
da leitura – confundem-se, irmanam-se, harmonizam-se. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><i>3. Aporias</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">“Querido
príncipe” não é um poema em prosa, mas quer ser; é, na verdade, uma carta, um
enunciado relacional, transitivo, mas não quer ser só isso, uma carta. A
dinâmica do ser/não ser, que pode até ser tomada apressadamente como coisa
drummondiana, a hesitação entre dois estados formais antagônicos, indica,
suficientemente, um processo de racionalização que desdiz, por si só, a
aparência de naturalidade de que o texto está revestido. O que lemos em
“Querido príncipe” é racionalizado, mas não racionalizado como tudo que deriva
do pólo “sentimental” conceituado por Friedrich Schiller; é uma outra
racionalização, mais complexa, tropical. “Querido príncipe” parece, sobretudo,
um discurso verdadeiro, uma declaração de amor de um discípulo a seu mestre, e,
por isso mesmo, logra embaralhar os dados da verdade, enredando-nos nas aporias
da própria verdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Enquanto
discurso verdadeiro, “Querido príncipe” teria Drummond como objeto direto,
exclusivo, seria um dizer sobre Drummond e para Drummond, mas o fato é que, já
a partir do título, é um texto que se coloca sob o signo do desvio. Como no
famigerado conto de E. A. Poe, “The purloined letter”, que Jacques Lacan prefere
perceber como a “carta extraviada” no seu “Seminário sobre a carta roubada” – a
“carta extraviada” é aquela que se perdeu num percurso –, o problema de
“Querido príncipe” é pertinente a seu objeto, diz respeito ao que realmente
está sendo visado pelo sujeito. E este é o primeiro a declarar que o objeto não
é Drummond: “Mas não, não é um poema para lembrar de você. Aí está você, aqui
estou eu.” De fato, há ali um sujeito em função de um processo de verdade, tal
como propõe Alain Badiou no seu <i>Para uma
nova teoria do sujeito</i>, um processo de verdade que induz o surgimento do
sujeito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Se nada é
espontâneo, natural, no texto de Carlito, a questão decisiva em relação a
“Querido príncipe” é sobre a natureza da verdade, de que verdade, afinal,
trata-se ali, em que verdade o sujeito se revela imbricado. Pode-se dizer, nos
limites da simples razão, que se trata de uma verdade perversa, que não se
inscreve exatamente no horizonte da “poiesis”, da criação, mas sim no horizonte
da “paideia”, da cultura, com suas implicações historiais. Uma verdade perversa
se constrói sutilmente, nas entrelinhas, sem sobressaltos, diluindo
animosidades perigosas, aproximando referenciais incompossíveis, pertencentes a
mundos diferentes, de forma a configurar uma imagem leibniziana, dir-se-ia, do
melhor dos mundos possíveis, onde tudo aquilo que expressa a barbárie das
relações – aspecto que atravessa a obra drummondiana – é estrategicamente
suprimido para que triunfe o “documento de cultura”, para lembrar Walter
Benjamin.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">A metáfora da
lebre e da serpente nos permite objetivar a perversidade da verdade que anima o
sujeito em “Querido príncipe”, uma metáfora confusamente preciosista em cujas
malhas Drummond se suspende, apaga-se, enquanto o eu, em contrapartida,
revela-se numa profunda inconsequência, típica de um tempo que se quer
pós-histórico. “Às vezes sua ausência é tão grande por aqui que agarro a ela
como uma lebre a uma serpente”, é como se abre um texto sobre um poeta
humanista por excelência, desviando-se em direção ao não-humano, preenchendo,
desta forma, a ausência do humano com a presença do não-humano, que,</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">como tal, sustenta a intenção autoral de
encaminhar sua ação comunicativa no nível do jogo, do lúdico, numa espécie de
exercício carroliano, no limite do nonsense.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><i>4. A fábula</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">“Querido
príncipe” prossegue cultivando arbitrariamente
sua metáfora de uma relação esdrúxula: “Está vendo como, tão
inutilmente, tão amargamente, a lebre, escama a escama, pensa que vai se
agarrando à serpente, virando serpente, proferindo oráculos?”. Não, não se pode
falar aqui de uma sintonia do outro – Drummond – com o eu – Carlito –, de uma
interação harmônica entre as duas partes num mesmo processo de construção de
sentido. Perguntar se o outro está vendo é já acusar uma dissonância entre eu e
outro em relação ao visível, ao que se dá a ver; e o eu aqui, movido por um
desejo perverso de verdade, deseja dissipar essa dissonância, de tal forma que
uma identidade se denuncie entre ambos – Carlito e Drummond: dois poetas que
compartilham uma idêntica percepção de mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">O motivo básico
pelo qual podemos dizer que não compartilham revela-se aqui a contento: Carlito
subordina sua percepção àquela percepção estabelecida no acervo literário
ocidental, ao passo que Drummond é um caso de subversão permanente dessa percepção
literária em prol de uma percepção própria, individual, fonte decisiva do seu
“gauchismo”. Em Drummond, a poesia não se alimenta de literatura, de valores
estéticos consagrados na esfera literária, simplesmente porque a poesia – mesmo
no seu instante mais formalista, no <i>Claro
enigma </i>– é uma questão de vida (e morte) antes de ser uma questão de
linguagem. Para Drummond – que é um caso de política, não de lógica, ao
contrário de um Ludwig Wittgenstein, filósofo que passou a ser apreciado nos
anos 1990 no Brasil em função de um influxo de poetas estadunidenses que
passaram a ter audiência no país, como Robert Creeley e Michael Palmer –, a linguagem poética não é jogo, que se monta e
desmonta, tampouco jogo no sentido de evento em que se disputa algo. Para
Carlito, em consonância com o Cabral mais radical, de livros como <i>A educação pela pedra</i>,<i> </i>poetar é jogar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Ao sabor amargo
da metáfora de uma relação verossímil apenas num estetizado mundo animal,
“Querido príncipe” perde Drummond para que Carlito Azevedo possa ganhar, como
vemos: “Anoitece e a serpente diz que a lebre nem chegou perto de alcançá-la, e
apenas sonha em sua vermelha toca subtropical, ardendo em febre. A serpente não
sente a pelúcia e a ferrugem das patas tateando já seu código genético, suas
ondulações, o bater do seu coração. Antes isso do que confessar ao atirador de
elite que você foi o homem da minha vida, príncipe”. Dizer, neste ponto, que assim
se confirma que o objeto do texto é o próprio sujeito, Carlito Azevedo, e não
Drummond, não é tão importante quanto tentar pensar como, afinal, dá-se essa
confirmação. A metáfora é fabular, consiste numa narrativa, e tem, como não
poderia deixar de ser, sua moral.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">A fábula – é
isso – entra no texto como forma de mistificar a própria vida contemporânea,
que se define pela impossibilidade do afeto, pela repressão da interioridade
dos sujeitos. A fábula tem, na economia de “Querido príncipe”, uma ascendência
sobre o que se dá na vida, na experiência nua e crua de viver em sociedade,
como se um mundo – dos bichos – pudesse resolver outro mundo – dos homens. O
desfecho da fábula revela mais do que a inconsequência do jogo, da disputa,
entre a lebre e a serpente; revela o contentamento do sujeito de não precisar
confessar, a quem o ameaça, o que sente por outro sujeito. Nesse contentamento
se exprime a vitória do sujeito – Carlito Azevedo – sobre seu objeto –
Drummond, o poeta que postulou a vida sem mistificações e confessou
insistentemente seus sentimentos. Ao se mostrar aliviado por não ter que confessar
o que sente, o sujeito confessa justamente o que o diferencia do seu objeto – a
perversidade. </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><i>5. Do príncipe</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Se tudo tende à
sutileza em “Querido príncipe”, não seria demais pensar que é sutil, antes de
mais nada, uma frustração do desejo de Carlito Azevedo de fundir sujeito e
objeto ali, reduzi-los a uma mesma identidade – eu-outro. A fábula, tratada
pelo viés do jogo, da disputa, revela que um é diferente de outro, que lebre é
diferente de serpente, e mais: que essa diferença é inalienável, que a
identidade do outro não é manipulável pelo eu, mesmo numa situação de
intimidade entre ambos. Talvez esse dado, essa impossibilidade de submissão do
outro ao programa de sentido de um eu, possa ser tomado como o limite da
virtualização, uma barreira a impedir o movimento de desatualização que visa,
afinal, a relativização da verdade: a lebre – Drummond – continua atual como
ela mesma, ou seja, como dimensão incompossível com seu oposto – a serpente. A
lebre – que seria afim da serpente, segundo o sujeito – não alcança a serpente
porque pertencem a mundos diferentes, incompossíveis, o de Drummond e o de
Carlito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Esta compreensão
nos permite dizer que, ao contrário do que “Querido príncipe” pensa, a obra
drummondiana não se caracteriza pela supressão do conflito, mesmo quando este
parece inevitável, mesmo quando parece que um “comerá” o outro. Ao desejar a
compossibilidade dos incompossíveis – a lebre se relacionando com a serpente –,
Carlito Azevedo logra apenas justificar a ideia de Drummond como príncipe, que
estrutura o texto. Príncipe porque age prudentemente com vistas a atingir seus
objetivos, no sentido maquiavélico, portanto. Príncipe porque se distingue dos
demais poetas, porque tem título de nobreza, no sentido, então, de ator de um
teatro monarquista. Príncipe ainda como o mais importante dos poetas
brasileiros, uma honraria dos tempos parnasianos – Olavo Bilac foi príncipe.
Mas não é assim mesmo que se complica decisivamente o objeto desse discurso que
se quer verdadeiro? Quem está em questão?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Se o conflito
perpassa, indiscutivelmente, a obra do poeta mineiro – a relação conflituosa
com Minas Gerais, com o tempo, com a sociedade, com a família, com a vida,
consigo mesmo, com a literatura etc –, não é Drummond que está em questão no
texto-homenagem de Carlito Azevedo. “Mas não, não é um poema para lembrar de
você. Aí está você, aqui estou eu”. Realmente. É um poema – escrito na
impossibilidade de se escrever ainda um poema, e a própria nota ao texto na Ilustríssima
revela o silêncio em que o poeta carioca se encontrava havia anos –, ou uma
prosa, ou uma carta, para lembrar de si. E o modo como se processa essa
lembrança não é meramente estético, mas fundamentalmente político, baseado na
desigualdade aparentemente entre dois poetas, mas que é, na verdade, uma
desigualdade entre dois tempos: um “de partido”, de verdade, outro “de
máscara”, de encenações. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-2201152663563024952013-01-13T13:36:00.004-08:002013-01-13T13:55:50.948-08:00ARTIGO | Anelito de Oliveira<b>Decadência</b><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Talvez nada consiga dar a medida precisa do esplendor ou da decadência de uma sociedade do que a cultura, em todos os seus sentidos: estético, pedagógico, antropológico. O que se faz sob o nome de cultura é sempre mais do que suficiente para que se perceba o que uma sociedade é, ou está sendo. Tudo aquilo que os discursos poderosos, hegemônicos, impedem-nos de ver, as práticas culturais urbanas - legitimadas como "a" cultura - acabam por nos mostrar.</div>
<div style="text-align: justify;">
A publicação dos poemas do vice-presidente da República Michel Temer pelo Caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, neste domingo 13/13 é mais um dos atestados eloquentes do estágio de decadência da cultura brasileira. Chega a ser difícil contabilizar quantos desses atestados encontramos diariamente hoje em dia, a começar pela programação da Globo aberta, das TVs evangélicas, passando pelo sertanojo, os axés, as redes sociais, como a lavanderia Facebook, até chegar aos jornalecos e jornalões. </div>
<div style="text-align: justify;">
Num cenário cultural pujante, íntegro, crítico, como se viu no passado recente e remoto no país, os montes de palavras do político proselista do PMDB não teriam espaço, obviamente; o próprio autor teria vergonha de publicar tanta besteira sob o nome pomposo de poesia. Também os seus editores - na Folha e na Topbooks, editora de Temer - teriam vergonha de oferecer aos seus leitores uma coleção de asneiras que nada lhes acrescenta. Que diriam um Holanda, um Carpeaux, um Glauber? </div>
<div style="text-align: justify;">
Todavia, há um cenário cultural que torna admissível todo tipo de ação nestas quase três décadas da chamada reabertura democrática, que acabou por legitimar uma espécie de primado do consenso na vida social brasileira, como se isso fosse possível. Nesse cenário, tudo é permitido, desde que seja adequadamente negociado e, claro, dependendo de quem esteja participando da negociação, do que cada espertalhão ganhará - o mais importante. </div>
<div style="text-align: justify;">
Poetastros, pseudoartistas, sempre houve e haverá em todos os tempos e lugares, mas o fato é que eles têm se tornado maioria no país, pautando editoras, redações de jornal e revista, feiras literárias, canais televisivos, órgãos de cultura etc. Eles - ou seus subordinados - estão no comando, cada vez mais, dos espaços de gestão e dos meios de produção e divulgação, de forma que a cultura brasileira hegemônica - aquilo que mais aparece - vai-se convertendo numa grande máquina opressora, aculturadora.</div>
<div style="text-align: justify;">
A publicação do livro <i>Anônima intimidade</i> de Temer e a publicação de alguns "poemas" pela Ilustríssima não podem ser vistas como ações normais, apenas profissionais, mas como ações comprometidas com a continuidade e fortalecimento do projeto político da casa grande, cultivado por PMDB, PSDB e tantas agremiações que se gabam de ser republicanas. Ridicularizar a inteligência, de que a poesia é a imagem decisiva em toda sociedade, é naturalizar a imbecilidade que garante o êxito dos opressores. </div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-48367186787248774602012-12-30T21:32:00.000-08:002012-12-30T21:37:28.850-08:00POESIA | Anelito de Oliveira<b>Traços</b><br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif;">1.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Escrevo
porque sofro,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Todos os
sopros – a<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Partir
de lá, aqui,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Onde desabo
– corpo <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">2.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Se
houvesse o absoluta-<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Mente
absoluto, tudo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Estaria
seguro numa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Única
mão – sem dedos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">3.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Falar em
meio, falar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">No meio
das coisas,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Sem
palavras, com as<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Coisas,
o inaudível<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">4.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O que
estranha-me é<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Que não
haja entranha,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Que a
superfície seja<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">A face toda
no rosto<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">5.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Quando
tiver tempo,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Chegarei
a tempo de<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Encontrar
o que não<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Me
agrada, quando<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">NOTA<i>: Estes poemas, até então inéditos, foram escritos em julho de 2010, no trajeto São João del Rei/Belo Horizonte. São esboços de algo ainda por vir, traços para um desenho que ainda desconheço - e talvez seja isso mesmo a poesia. Encontram-se publicados atualmente também no blog Cantar a pele de lontra, do poeta paulista Cláudio Daniel. </i>Anelito de Oliveira</span></div>
ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-13939193383770297472012-08-05T21:54:00.003-07:002012-08-05T21:54:35.398-07:00POLÍTICA | De volta à políticaANELITO DE OLIVEIRA - <b>De fora, a partir de um viés respeitável,</b> mas inegavelmente ingênuo, as ações de Lula no processo eleitoral já em curso, sobretudo a aliança com Maluf, mostram-se deploráveis. Todavia, de dentro da política real, que tanto nos conturba, são ações altamente positivas no sentido de politizar a cena política no país que o próprio Lula, no afã compreensível de garantir a governabilidade dos seus governos, acabou por despolitizar.
<b>A aliança, que tanto tem indignado petistas e até malufistas entusiasmados,</b> foi precedida pela substituição de Martha Suplicy por Fernando Haddad e sucedida por “insubordinações” do PT em Belo Horizonte, Recife e em cidades de porte médio de grande importância para o desenvolvimento nacional, como Montes Claros, onde o partido volta a disputar a prefeitura com candidato próprio depois de 16 anos.
<b>A atitude de Lula, comprovando uma vez mais a sapiência pragmática que lhe é peculiar,</b> reverteu o foco do jogo político a que estávamos habituados desde 2002, quando o PT chegou ao poder: o específico, a cidade, passou a ter relevância maior do que o genérico, a federação, de tal forma que a aliança com Maluf, no caso, revelou-se viável porque o que importa mesmo é o PT reconquistar a prefeitura de São Paulo.
<b>Maluf tem uma imagem negativa junto à federação, </b>nos estados brasileiros, que não corresponde exatamente àquela que tem junto aos paulistanos, gente, em grande parte, que não nasceu em São Paulo. Essa negatividade remonta à memorável disputa com Tancredo Neves em 1985. Maluf ficou no imaginário como a referência do mal na política brasileira, comprovada e ampliada por denúncias consistentes de corrupção contra ele e os seus, com prisões espetaculares.
<b>Para o paulistano em geral, desprovido de fundamentos ideológicos,</b> Maluf é o empreendedor, o fazedor de grandes obras estruturais, o transformador de favelas em conjuntos habitacionais organizados, o sinônimo de Cingapura. Maluf é referência, para uma parcela enorme do eleitorado paulistano, de atitude prática, que melhora a cidade de São Paulo, que é o que interessa para quem vive numa megalópole e, claro, não pode ter uma percepção meramente romântica das coisas.
<b>Ao se aliar a Maluf, Lula revelou,</b> quer queiramos ou não, a mesma astúcia que levou, manteve e mantém o PT à frente do governo federal: a maioria do eleitorado, aquela que elege candidatos, não está interessada em questões ideológicas, mas em ações práticas, naquilo que, de fato, melhora a vida nos subúrbios, nas favelas, nas áreas populares da cidade, em matéria de emprego, saúde, transporte, segurança e moradia.
<b>O sentido maior dessa aliança,</b> que lideranças do PT acabaram por perceber por toda parte, é que a política real é localizada, movida por interesses locais de pessoas situadas numa determinada cidade, com seus problemas cotidianos. É uma política investida da concretude que marca as relações objetivas dos cidadãos com sua cidade, não as relações subjetivas com a federação, por exemplo, com aquilo que as pessoas comuns, feliz ou infelizmente, nem sabem o que é.
<b>O que pessoas comuns de Belo Horizonte,</b> Recife e Montes Claros, por exemplo, têm a ver com São Paulo quando se trata da vida cotidiana? Nada. Logo, o PT belorizontino, o recifense e o montesclarense perceberam que poderiam lidar com as eleições municipais de um modo diferente, autônomo, lançando seus próprios candidatos, mesmo atritando com o aliado federal PSB. O PT está voltando a fazer política. Mais um mérito de Lula.
<b>Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 04 de agosto de 2012.
</b>ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-10844310954478016112012-07-30T16:01:00.000-07:002012-07-30T16:01:10.587-07:00POLÍTICA | A volta de PatrusANELITO DE OLIVEIRA - Pensar o que a candidatura Patrus Ananias a prefeito de Belo Horizonte significa exige uma menção pontual à importância que Minas Gerais tem historicamente na cena política brasileira. Do período colonial à contemporaneidade, a consistência do jogo político nacional, aquilo que o tira do pólo das vaidades e o inscreve na dimensão do eterno, passa pelo Estado. Num raio de mais de dois séculos, de fins do setecentos até agora, a política do país se enriquece, indiscutivelmente, com a contribuição pensada, equilibrada, dos mais autênticos políticos mineiros.
Emergindo da cidade de um dos grandes nomes da tradição política do Estado, a Bocaiúva de José Maria Alkmin (1901/1974), Patrus Ananias é um depositário fiel dessa tradição que a redimensiona, desde seus primeiros momentos nos anos 1980, a partir de um permanente tensionamento de aspectos do nosso tempo, este “tempo de homens partidos”, como Drummond escreveu n´A rosa do povo, que é o século XX e, agora, século XXI. Um desses aspectos é a negação da centralidade da vida humana na sociedade, que passou a ser tratada como mais uma vida apenas, nada de mais.
A percepção política de Patrus Ananias revela-se estruturada numa defesa generosa da centralidade da vida humana, na contramão, portanto, de preceitos hegemônicos, o que faz dela, inclusive, uma percepção fadada ao conflito com aquela cultivada hoje pelos políticos em geral, meros serviçais do capital. O fato – paradoxal, sem dúvida – é que o trajeto político de Patrus tem revelado o quanto essa percepção está em consonância com a da maioria da população, não só em Belo Horizonte, mas em toda Minas Gerais e pelo país afora, pessoas que o veem como referência ideal de estar no mundo, como ser ético, que se responsabiliza pelo outro.
Quem elegeu Patrus vereador, prefeito e deputado federal e com ele esteve – nadando contra uma maré difícil – na condição de candidato a vice-governador do Estado em 2010, concorda com ele que a razão causal da política é o humano. E esse humano não é, como querem enxergar os interessados maledicentes, uma categoria abstrata, superada, encerrada no mundo das ideias, mas uma dimensão real, estruturante, da realidade social. Essa dimensão precisa ser o parâmetro para a operacionalização dessa realidade social em prol dos oprimidos, dos pobres, tarefa capaz de dignificar a política.
Somente uma década e meia (quase) de distância para nos dar a imagem cristalina, digamos, do que foi a gestão Patrus Ananias à frente da prefeitura de Belo Horizonte: foi uma gestão humanista, que tinha como princípio o desenvolvimento humano. Havia um envolvimento espontâneo das pessoas com a gestão, uma familiaridade – meio inacreditável – entre cidadãos e Prefeitura, como se aquilo que cultivávamos – os ideólogos – pela vida como utopia tivesse, de repente, virado realidade. Um Orçamento Participativo, uma Escola Plural, um Festival Internacional de Arte Negra!
No centro de tantas inovações, um prefeito humilde, capaz de falar a língua das pessoas comuns, de se solidarizar com os outros, de se colocar como gente, com todos os altos e baixos. Era realmente confortável ver ou saber de Patrus numa incansável atitude dialógica, cuidadosa, atuando com um “coração inteligente”, diria Hannah Arendt, sensível, no campo árido da práxis política, sempre em defesa de uma cidade mais humana. Patrus, definitivamente, não foi mais um prefeito, movido por interesses mesquinhos, mas “o” prefeito que uma cidade especial, alicerçada no alumbramento, que é BH, merece.
Tal foi o impacto positivo da gestão Patrus Ananias sobre todos nós que, movidos por uma boa vontade muito mineira, sonhamos com o prefeito singular a serviço das causas maiores do país. Demo-nos – moradores de Belo Horizonte em geral, petistas e aliados em especial – ao luxo de prescindir de Patrus à frente da prefeitura, movidos pela convicção, claro, de que, como está consagrado no campo das artes, um grande artista não se repete. Apesar da nobreza da nossa intenção, estávamos equivocados: Patrus não tinha concluído sua grande obra, precisava de mais um mandato à frente da prefeitura de BH, Patrus ele-mesmo, não apenas o PT.
Hoje, dezesseis anos depois da gestão Patrus Ananias, é preciso grandeza de caráter para dizer que Belo Horizonte se perdeu, ou voltou a se perder, tornou-se mais uma metrópole a serviço do capital, uma cidade-produto dos banqueiros onde o poder público, supostamente socialista, também coloca os interesses da maioria das pessoas em segundo plano a fim de deixar o caminho livre para a ação dos predadores situados nos maiores centros ocidentais. Patrus pensava e agia sobre a cidade humanamente, o que não eliminava o dado econômico, claro. Os sucessores de Patrus pensaram, agiam e agem sobre a cidade apenas economicamente, e a partir de princípio econômico liberal – o que é pior.
A volta de Patrus Ananias à luta pela prefeitura de Belo Horizonte não pode ser encarada como fato qualquer, mas como “o” fato político das eleições deste ano em Minas Gerais. O oposto de Patrus - não podemos nos enganar - não é Márcio Lacerda, mas o projeto tucano hoje representado pelo governo Anastasia e defendido “inocentemente” – uma lástima! – por Aécio Neves, num gritante contraponto ao que Tancredo Neves realmente representou, projeto que percebe o povo como mera mercadoria nas trocas econômicas. Belo Horizonte precisa de Patrus agora, e Minas Gerais precisará muito mais dele, como representante de um projeto popular e democrático para o Estado, em 2014.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-71090229189100577752012-07-22T13:56:00.000-07:002012-07-22T13:56:01.618-07:00<i>Inutilidades, claro, as coisas que nos constituem, que nos prendem à vida, e que não têm valor de mercado. Somos, com essas coisas, fundamentalmente imprestáveis para o mundo capitalista. Essas coisas, na falta de outro nome, são poesia alojada na nossa carcaça social. Nada programado, ao acaso, essas coisas estão acampadas em nós, nosso precário - e autêntico - sentido. A série "Acampamentos" faz parte de uma coletânea inédita, sem data para chegar ao papel: <b><b>As coisas no chão</b></b>. </i> | ANELITO DE OLIVEIRAANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-47604076277078627272012-07-22T13:13:00.003-07:002012-07-22T13:38:25.559-07:00ACAMPAMENTOS 5 | Anelito de OliveiraDo outro lado, na mesma região, um condomínio fechado, bastante seguro – diziam os especuladores imobiliários –, com guarda e quadra esportiva. Podíamos mudar imediatamente pra lá, em um mês ou no máximo dois, ou no máximo três, conseguiríamos um financiamento pela caixa e ficaríamos livres do aluguel para sempre. O sonho da casa própria! Era um apartamento pequeno, térreo, mas suficiente para um casal com dois filhos. Não caberiam os móveis de sucupira. Mas móveis... Uma tarde, na Afonso Pena com Bahia, tudo se resolveu: uma mesa, um sofá e um bar para a nova sala. Tudo preto, clássico, comum [pensava contra mim mesmo]. A televisão no suporte, os livros amontoados num cubículo. Gente passando e olhando 24 horas para dentro do apartamento. Dias tristes, tristes, tristes. Uma prisão: alcatraz. Tarde da noite, eu-prisioneiro de um sonho, retornava. E o financiamento nunca chegava, nunca chegou. Partimos, partidos.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-42920687494643796542012-07-22T13:12:00.002-07:002012-07-22T13:12:16.361-07:00ACAMPAMENTOS 4 | Anelito de OliveiraChegamos, então, à cidade – depois das margens. Também tinha ladeiras, extensas. Para chegar, sair. Ficava depois de uma, à beira de outra. Era um apartamento. Alterava a ideia de morar. Fragmentava, reduzia, afastava. Tinha três dormitórios. Num deles, os livros se abrigaram. Tinha uma sala ampla, conjugada, com uma porta-janela para a rua. Os móveis de sucupira ficaram à vontade. Parecia perfeito. Não tinha luz, ainda – demoraria dois dias para chegar. Não importava. Era um apartamento. Primeira locação.
Da varanda, uma paisagem. A cidade não estava totalmente ali. Ou as margens ainda resistiam ali. Contra elas, alguns prédios se apresentavam. Logo, a paisagem seria danificada. Mas estávamos do lado de dentro, onde tudo era infinito. As noites, as noites – a serenidade, o aroma de mato. Tanta música, tanto vinho, tanta poesia. Até que a pia começou a se entupir, a rede de esgoto começou a se complicar, começou a faltar água. As brigas no andar de cima, discórdias com vizinhos dos lados. Tudo se despencava. Não dava mais.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-77974126536210102222012-07-22T13:07:00.002-07:002012-07-22T13:07:49.433-07:00ACAMPAMENTOS 3 | Anelito de OliveiraMudamos para o outro lado. Na mesma rua. Também tinha uma subida, cansativa. Na esquina, um boteco; depois da ladeira, outro bar. O barracão tinha dois quartos. Pé-direito alto, imponente. Um portão que se abria para os dois lados, dando acesso ao primeiro e ao segundo barracões. Ambos serenos. Depois do primeiro portão, um segundo. Entrando, um meio-fio antigo indo da frente até uma lavanderia, lá no fundo. À porta da sala, uma árvore com folhas caindo – o piso de cimento no quintal forrado de folhas amarelas. Vê-la florida, árvore, e saber que a chuva vinha!
Dentro, o piso de taco na sala e nos quartos. No início, o sofá confortável do fotógrafo, reformado, com suas listras verdes. Na cozinha, o armário azul, usado. Um dia, o aparelho de som Philips com toca-cd. Ficava no quarto de solteiro. Um dia a piscina de plástico, os meninos ali. Depois a primeira televisão, também Philips, na sala. Depois os móveis de sucupira. Depois a construção de um novo quarto, lá fora, a biblioteca. E os churrascos, os churrascos, os aniversários, os aniversários. O tempo passando, passava. Parecia que éramos felizes – quem sabe. Um dia, estranhamente, partimos.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-82674034591827052422012-07-22T13:06:00.003-07:002012-07-22T13:06:31.846-07:00ACAMPAMENTOS 2 | Anelito de OliveiraTudo era muito limpo, excessivamente limpo, a ponto de materializar a obsessão. Alguém obcecado com a pureza – morava ali. Era uma espécie de condomínio. Duas quase-casas entrelaçadas, uma para um lado, outra para o outro. À frente deste, duas kitnets, supostamente barracão – palavra ampla, abarcadora. Em meio a estas e aquelas, um corredor levando à casa do dono de tudo, o exigente. Exigia disciplina, respeito e, claro, pagamento em dia. Nada de som alto. Nada de liberdade. Não havia lado de dentro. Tudo era visível – uma vitrine. Não coubemos ali. Éramos muitos, uma multidão. Apesar de apenas três. Menos que três. Vazamos delicadamente, como sombras. Restou a rua.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-44128635006953049432012-07-22T12:34:00.000-07:002012-07-22T13:05:09.245-07:00ACAMPAMENTOS 1 | Anelito de OliveiraFicava depois de uma ladeira. Parecia outro bairro, mas era o mesmo. Cansava chegar lá, uma caminhada. Tinha um pé de manga à frente ou no fundo, no meio, talvez. Tinha um pé de manga, é certo. Um dormitório, uma sala, um banheiro, uma cozinha. Tinha muro. Não me lembro como era o muro. Lembro-me da laje, áspera, artesanal. Sobre a laje, uma manhã, pedras rolando. Assustado, eu acordando. Rindo, ele dizendo: campainha de pobre [o irmão morto]. A cama, o guarda-roupa e o armário usados. A alegria pelas primeiras aquisições. Tom Zé cantando “Menina Jesus” na fita cassete. Um dia o soldado, dono do barracão, chega: “O senhor é muito versátil”. Não dava tempo para discutir significado. Não tinha feito nada. Talvez felicidade. O significado era desocupação.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-43165873200446876932012-01-27T18:27:00.000-08:002012-01-28T12:09:39.732-08:00Três anos esta noite | ANELITO DE OLIVEIRATrês anos esta noite, ou já na noite anterior - 27 de janeiro de 2012.<br />
Tudo começou aqui exatamente dia 27 de janeiro de 2009.<br />
Quero agradecer aos preciosos (as) seguidores (as) pelo convívio e lamentar que até hoje ainda não consegui me inscrever como seguidor nos seus blogs.<br />
Neste momento, desde o fim da noite de ontem, tenho refletido se vale a pena continuar com este espaço.<br />
Ando, mais do que nunca, decepcionado com a internet e todas as novas "tecnologias da inteligência" (P. Lévy), como o celular.<br />
Será que vale a pena tentar fazer algo diferente - pensar é a diferença - no mundo de "Luiza que está no Canadá"?<br />
Estou no fim do mundo, ou no começo - pode ser -, em pleno sertão, cercado de injustiças por todo lado, no reino do autoritarismo, da corrupção, de coronéis sanguinários e políticos bandidos.<br />
O que importa aqui se Luiza, ou qualquer outra dondoca, está, esteve ou estará no Canadá?<br />
Mas o que importa, para a maioria dos internautas, é exatamente a banalidade, os acontecimentos fúteis das vidas mais vazias do planeta.<br />
A internet vai se tornando, assim, o grande lixão da pós-humanidade. O lugar apropriado para todo lixo simbólico, que corresponde a lixo real.<br />
Não deveria ser assim, mas assim tem sido, sobretudo no ocidente pautado pelas elites cínicas estadunidenses.<br />
A "primavera árabe", para citar um grande acontecimento, é demonstração de que a internet pode ser um instrumento eficaz em favor dos oprimidos.<br />
Não tenho dúvida de que o "luizismo" dos dias que correm é fenômeno tipicamente brasileiro, das elites mesquinhas de um país mascarado.<br />
Este blog está à margem da internet.ANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7019483522568629049.post-14491506723642926752012-01-19T17:27:00.000-08:002012-01-20T12:56:43.430-08:00APROXIMAÇÃO | Nicanor Parra<b>EL HOMBRE IMAGINARIO<br />
</b><br />
<br />
El hombre imaginario<br />
vive en una mansión imaginaria <br />
rodeada de árboles imaginarios <br />
a la orilla de un río imaginario<br />
<br />
De los muros que son imaginarios <br />
penden antiguos cuadros imaginarios <br />
irreparables grietas imaginarias <br />
que representan hechos imaginarios <br />
ocurridos en mundos imaginarios <br />
en lugares y tiempos imaginarios<br />
<br />
Todas las tardes tardes imaginarias <br />
sube las escaleras imaginarias <br />
y se asoma al balcón imaginario <br />
a mirar el paisaje imaginario <br />
que consiste en un valle imaginario <br />
circundado de cerros imaginarios<br />
<br />
Sombras imaginarias<br />
vienen por el camino imaginario<br />
entonando canciones imaginarias <br />
a la muerte del sol imaginario<br />
<br />
Y en las noches de luna imaginaria <br />
sueña con la mujer imaginaria <br />
que le brindó su amor imaginario <br />
vuelve a sentir ese mismo dolor <br />
ese mismo placer imaginario <br />
y vuelve a palpitar <br />
el corazón del hombre imaginario<br />
<br />
<br />
<br />
<i><b>Nicanor Parra<br />
<b></b></b></i><br />
<br />
<br />
<b>O HOMEM IMAGINÁRIO<br />
</b><br />
<br />
O homem imaginário<br />
Vive num casarão imaginário<br />
Cercado de árvores imaginárias<br />
À beira de um rio imaginário<br />
<br />
Das paredes que são imaginárias<br />
Pendem antigos quadros imaginários<br />
Irreparáveis fendas imaginárias<br />
Que representam fatos imaginários<br />
Ocorridos em mundos imaginários<br />
Em lugares e tempos imaginários<br />
<br />
Todas as tardes tardes imaginárias<br />
Sobe as escadas imaginárias<br />
E aparece na varanda imaginária<br />
A olhar a paisagem imaginária<br />
Que consiste num vale imaginário<br />
Circundado por colinas imaginárias<br />
<br />
Sombras imaginárias<br />
Vêm pelo caminho imaginário<br />
Entoando canções imaginárias<br />
À morte do sol imaginário<br />
<br />
E nas noites de lua imaginária<br />
Sonha com a mulher imaginária<br />
Que lhe ofertou seu amor imaginário <br />
Volta a sentir essa mesma dor<br />
Esse mesmo prazer imaginário<br />
E volta a palpitar<br />
O coração do homem imaginário<br />
<br />
<br />
<br />
<b>Aproximação <i>Anelito de Oliveira<br />
</b></i><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<i>Sempre, ainda, muito difícil acreditar que haja um abismo entre nós, falantes forçados de português, e nosotros, igualmente forçados a hablar espanhol, na América Latina. E a verdade é que há. Estamos tão perto e tão longe de pessoas e autores extraordinários como o chileno Nicanor Parra (n. 1914), o inventor da antipoesia, o poeta e matemático recentemente agraciado com o célebre Prêmio Cervantes. "El hombre imaginario", publicado em 1985 na coletânea <b>Hojas de parra</b>, dá a medida precisa de uma obra desconcertante, que exige proximidade.</i>| ANELITO DE OLIVEIRAANELITO DE OLIVEIRAhttp://www.blogger.com/profile/09486318400797305647noreply@blogger.com0