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quinta-feira, 18 de junho de 2009

JORNALISMO | Jorge Salomão

ANELITO DE OLIVEIRA – Nestes últimos dias, revirando o alfarrábio que tenho cultivado há tantos anos para chegar ao primeiro volume do que chamo de “Inutilidades”
(um projeto acalentado há muito tempo, reunião de textos esparsos publicados por jornais, revistas, livros dos outros ou escritos e deixados de lado por vários motivos, sobretudo pela dificuldade de publicação, por não despertarem interesse de formatadores de discursos),
encontro esta pequena entrevista que fiz com o poeta, letrista e performer baiano Jorge Salomão, um dos nomes emblemáticos da cena cultural brasileira dos 70/80, por ocasião de sua vinda a Montes Claros em outubro de 2005, quando foi homenageado pelo evento Psiu Poético.
Não me lembro exatamente por que não consegui publicar este material. Lembro-me que o enviei para o jornal “Estado de Minas”, mas não saiu. Talvez pela “inconveniência” das ideias, aquilo que constitui exatamente sua grande graça, traço de uma singularidade.
Jorge!
Lembro-me, sim, de ter ficado meio sem graça de não ter podido recebê-lo com o “grande jornal dos mineiros” em punho:
- aqui está, Jorge, sua “brasa” queimando Minas afora.
Não queria que a entrevista ficasse restrita às Gerais, onde a cultura escrita, por bem e por mal, não é o forte.
Queria que as palavras de Jorge, ditas com sua naturalidade verdadeira, atingisse o alvo certo: são palavras de uma indignação contra aqueles que ordenam o Brasil, que estão nos centros de poder.





A brasa do ser


Homenageado do Psiu Poético 2005, Jorge Salomão, uma das últimas estrelas da poesia brasileira, chega a Montes Claros na próxima quinta-feira para performances, debates e outras intervenções


Parceiro de Frejat e Adriana Calcanhotto, entre outros, autor dos poemas de “Mosaical”, Jorge Salomão é uma das principais atrações do Psiu Poético 2005, que acontece de 04 a 12 outubro em Montes Claros, pleno cerrado norte-mineiro.
Com o tema “Cabecidades / poetas invenções”, esta é a 19ª edição do evento que já teve, entre tantas participações ilustres, a do irmão de Jorge, o saudoso Waly Salomão, Tom Zé e Capinan.
Não apenas parece: o evento, coordenado pelo poeta Aroldo Pereira, egresso da cena cultural de fins dos anos 70, realmente tem uma certa afinidade com o horizonte tropicalista, também é coisa de um outro Brasil.
Jorge Salomão fará sua primeira participação no Psiu na quinta-feira, dia 06 de outubro, às 20hs, no centro cultural Hermes de Paula, onde acontecerá a maioria dos espetáculos.
Com Jorge, passarão este ano pelo Psiu figuras e ponta poética, como o ouropretano Guilherme Mansur, a carioca Vera Casa Nova e o português Fernando Aguiar, entre muitos, muitos outros poetas, performers, atores e músicos.
A programação do Psiu Poético 2005 antecipa a grande celebração que acontecerá no próximo ano, quando o evento, já reconhecido como o mais importante no gênero no país, chegará a sua 20º edição.
No final da tarde de 26 de setembro, enquanto andava pelo centro do Rio de Janeiro, Jorge Salomão conversou comigo sobre sua participação no evento, lamentou Bush, Lula e Gil, elogiou o Brasil e disse que vai mostrar a brasa do seu ser a quem for vê-lo no Psiu.
Como o falador Waly, Jorge queria falar mais, mas a linha caiu. Confira trechos da nossa conversa.




Qual sua expectativa em relação ao evento?

Estou super alegre por poder participar. Gosto muito do histórico do evento, os temas que foram debatidos durante todos esses anos, as pessoas que participaram, os muitos questionamentos que o evento vem fazendo à cultura e à sociedade brasileiras. O Brasil precisa muito de eventos como o Psiu atualmente.

Você está pessimista com o mundo?

Não. Sou otimista. Mas não dá pra ficar indiferente a todo esse terrorismo que Bush vem espalhando pelo mundo. Essa situação reflete em tudo. Mesmo nós, brasileiros, não conseguimos ficar totalmente otimistas diante dessa situação. Mesmo nós que somos uma nação de pessoas boas, cheias de esperança.

E com o Brasil de Lula, você está otimista?

Tenho confiança em Lula, mas acho que seu governo não está indo bem. Dizem que a economia nunca foi tão bem. Mentira! Ninguém vê dinheiro circulando. Por mais que eu pense, não consigo ver avanço neste Governo em todas as áreas. Não quero, de qualquer jeito, espalhar o vírus do pessimismo.

Não é difícil produzir poesia neste contexto de terrorismo global e crise local?

Não. Mesmo diante de tudo isso, eu exercito a poesia 24 horas por dia. Escrevo, faço performances, faço palestras etc. A vida é um mix de coisas alegres e tristes.

O que pensa, especialmente, sobre a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?

Particularmente, adoro Gil, que, inclusive, fez música em minha homenagem (“Jeca total”). Mas sua atuação como ministro tem sido fraca. Tudo muito burocrático, um ministério cheio de gravatas. Cultura é diferente de agricultura.

Como pensa que Waly reagiria a esse contexto?

Se estivesse vivo, Waly também estaria sofrendo dificuldades.

Então, você está angustiado?

Mesmo sendo, modéstia à parte, um expoente, um escritor, uma celebridade, claro que fico angustiado vendo, por um lado, um Brasil maravilhoso, cheio de graça e beleza, e, por outro lado, uma geração de jovens chatos. Mas sou sartriano e penso que a angústia é o caminho para a liberdade.

O que falta, afinal, para melhorar social e culturalmente o Brasil?

Falta criar uma dinâmica em todos os setores. Tudo é muito enjoativo. O Brasil é o país do possível, com inúmeras possibilidades de dar certo.

Pra finalizar, como será sua apresentação no Psiu Poético?

A performance que vou apresentar, “Jorge Salomão Poesia Show”, é uma leitura diferente de poesia, com um clima quente, em que transparece a brasa que é o meu ser. Gosto da coisa mais brutal que o ser pode dar, como pedra bruta de onde sai o diamante. Não sou um poeta tradicional, mas um malabarista do verso, um revolucionário.





Evocação de Jorge Salomão


ANELITO DE OLIVEIRA - “Política voz”, aquela sua letra reverberada por Frejat, é a voz de Jorge Salomão, atravessada por uma incessante inquietação em face do “status quo”, voz de um “out” radical. A primeira vez que a ouvi foi debaixo de lágrimas na escadaria da Biblioteca Nacional, naquela noite de maio de 2003, no velório de Waly Salomão. Jorge estava desmontado – e não fazia questão de amenizar nada: o homem diante da monstruosidade do mundo. Fiquei um tempão olhando para Jorge ali, sem jeito de conversar com ele, assim como tinha ficado um tempão, ao lado do ensaísta e escritor Evando Nascimento, olhando Caetano e Gil, que lá estavam, e sem jeito de falar com eles sobre Waly – sobretudo Caetano, ali como pessoa; Gil estava como ministro. Quando cumprimentei Jorge, começamos a conversar, ele logo se pôs a escrever um poema - ou momentos depois o escreveu, já não me lembro - em homenagem a Waly e me passou - ou me mandou via correios - para publicar no “Suplemento Literário”, que eu então editava.
A exemplo da entrevista acima, o poema também não foi publicado. Não sei o que houve. Parece que não deu certo um número especial que eu planejava em homenagem a Waly. O Secretário de Cultura de Minas Gerais à época (Luiz Roberto Nascimento e Silva), que parecia ter alguma reserva em relação ao poeta (sequer compareceu ao lançamento, na Livraria do Ouvidor em BH, de um número especial sobre o centenário de Drummond, que contou com a presença de Waly, que era um dos colaboradores e, também, o então Secretário Nacional do Livro e da Leitura – do Livro e da Loucura, como eu preferia dizer, e ele ria, ria escancaradamente, como só o próprio o sabia), talvez seja a razão de não ter saído o número sobre Waly – devia ter saído assim mesmo, de qualquer jeito! Mas não saiu. Acabei saindo, e não sei aonde o poema de Jorge, escrito à mão, no meio da agonia, foi parar. Espero encontrá-lo algum de dia, ou que Jorge o tenha guardado na memória.
Todavia, recordo que tudo que o poema dizia, ou fundamentalmente dizia, era por que o homem em geral, a espécie, desmonta-se, porque ele Jorge estava ali assim, desmontado, tal qual eu mesmo me vi diante de um irmão morto em 93 que, por sinal, tinha também aquele gênio espalhafatoso, impaciente, de Waly: desmonta-se porque se esbarra num lugar. O poema de Jorge detonava a Bahia, como se aquele lugar fosse o “culpado” por aquela morte tão prematura, como se a Bahia tivesse “matado” Waly. Agora, pensando bem, como me parece que tem tudo a ver! Lugares podem castigar e matar pessoas, bem como as podem acolher e estimular a viver. A Bahia, no velório de Waly, era referência de união para alguns dos baianos mais populares que estavam ali, mas para Jorge Salomão, não. Eu, que na noite anterior à notícia da morte de Waly tinha me abandonado à leitura das “Lamentações de Jeremias”, tinha uma voz ressoando na cabeça: “o homem da palavra é o homem da solidão”.
Incompreensão. Jorge desmontado na escadaria era isso. Talvez era isso também um outro grande cara, abraçado ao caixão de Waly, tão admirado por este: Marcelo Yuca. Merecia, como Waly, ser compreendido, em algum lugar, talvez em Minas Gerais, no Psiu Poético, em Montes Claros. Waly, várias vezes convidado, acabou decidindo aparecer como homenageado do evento em 2001 ou 2002, não me lembro ao certo. Ligou-me certa tarde, eu atravessando a Augusto de Lima em Belo Horizonte em meio a um monte de problemas, e me perguntou se poderia “avalizar” o evento, bem como estar em Montes Claros na noite de sua apresentação. “Avalizei”. Quando, depois de cancelar todos os compromissos, voei para Montes Claros e cheguei ao Centro Cultural Hermes de Paula, poetódromo do Psiu Poético, lá está Waly numa agonia performática: Eu quero meu dinheiro! Eu quero meu dinheiro! - algo assim. Ainda não tinha recebido o cachê combinado e havia possibilidade de receber só depois de retornar ao Rio. Gritava ao telefone, falando com a então Secretária de Cultura, e depois virava para mim e ria macunaimicamente. Depois de um debate, a que não faltou gozação walyana com ares de coisa séria para irritar gente ridícula, saímos a caminhar, juntamente com outros órfãos da poesia, em direção ao restaurante reservado a todos os participantes do evento, vala comum de famintos, sem a companhia do povo do poder local, sem deferências. Waly, a sua maneira, reclamava do descaso, e eu pensava no descaso como sendo um traço típico da cultura local nortemineira.
Três anos depois, já voltando a viver em Montes Claros (morei nesta cidade no final dos anos 80), foi a vez de Jorge Salomão ser homenageado pelo Psiu Poético. Pensei que seria mais bem recepcionado que Waly. Nada. Num momento no mercado central, onde acontecem algumas atividades do evento, teria sido até destratado. Tentei, pelo respeito e admiração que tenho por Jorge desde quando não pensava que o conheceria pessoalmente, fazer com que sua passagem por aqui não fosse tão desastrosa: conversamos várias vezes, convidei-o a participar de um programa de rádio que inventei na rádio Unimontes, convidei o pessoal de um jornal para entrevistá-lo. E vejo que foi tudo muito pouco. Entre nossas conversas, falamos da possibilidade de tornar possível uma edição da sua poesia completa. Jorge voltou para o Rio. Um dia me mandou uma carta via Aroldo Pereira, coordenador do Psiu Poético. Nunca mais fui ao Rio, nunca mais tive notícias de Jorge por qualquer meio. Nosso diálogo tem estado suspenso, e espero que esta publicação seja uma ponte reformada com esse “ladrão de fogo” ainda capaz de provocar incêndio com palavras ou, no mínimo, quebrar copos com o silêncio dos sons nos discos da vida.

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