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domingo, 8 de novembro de 2009

LITERATURA | Criação

As maçãs
Suponhamos que havia muitos anos que esperavam por aquelas maçãs, diariamente reparando os caminhões passando carregados. Mestiços do Mucuri - nutrição, tanto quanto desnutrição, também é uma questão étnica. Ali estavam, pois, entre chorar e devorar - e, se chorassem, a polícia, as ongs, os políticos, podiam chegar. Toda uma geração, inúmeros, tornou-se imposssível discutir questões de direito.
Uns queriam caixas, e se lançavam de qualquer jeito, outros queriam apenas umas cinco unidades, mas também estavam afobados, queriam comer na hora, com as mãos sujas, lambendo os beiços. No fundo, havia um consenso em torno de uma espécie de significado do paraíso, o que era isso em termos estomacais. Antes era, e depois também seria, apenas a vontade, sempre em suspensão, de comer maçã - o inferno do desejo.
Estavam saboreando as maçãs, e gostariam muito, muito mesmo, que o motorista também participasse da ceia, enchesse a cara. Olhando nas ferragens, concluíam, pensando com ciência, que o motorista não se sentiria bem, ficaria com pena do dono da firma, sentimento de trabalhador, deixasse ele lá, pois, esmagado. Como esperaram por aquele milagre mediado por um desastre! Finalmente, Deus.

2 comentários:

  1. "..NUTRIÇÃO E DESNUTRIÇÃO É TAMBÉM UMA QUESTÃO DE ETNIA".
    Magnífico, impar esta sintetização de um questionamento tão necessário." Grande Anelito de Oliveira

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