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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

CULTURA | A alma do lixo

ANELITO DE OLIVEIRA - Começo aqui a nova safra, com uma imagem de Valdeir do Rosário no cabeçalho substituindo aquela de Sophie Calle. Trata-se de um dos 15 trabalhos da série "Os enjaulados", com a qual o artista mineiro investe numa inquietante ressignificação de imagens e suportes encontrados ao acaso em suas andanças por Belo Horizonte.
Na imagem acima, quem se entremostra é o poeta italiano Cesare Pavese (1908/1950), aquele que só saiu da "jaula" existencial pela via do suicídio. Outras figuras seminais do século XX foram pinçadas pelo artista, do fundo do monturo editorial com o qual convive diuturnamente, para essa série, como o crítico de arte pernambucano Mário Pedrosa (1901/1981).
Com uma obra já extensa, que vem se construindo discretamente ao longo das últimas duas décadas, Valdeir do Rosário nasceu em Bocaiúva (1968) e está radicado há vários anos em Belo Horizonte, com passagens pelo Rio de Janeiro e Diamantina. Artista versátil, transita, desde o início, pelo desenho, pintura, objeto, colagem, instalação etc.
Participou de algumas exposições coletivas na capital mineira nos últimos anos e de algumas iniciativas culturais, não chegando ainda a reunir seus trabalhos numa exposição individual propriamente dita. Essa pouca aparição pública é parte, sem dúvida, de sua personalidade artística, diz algo sobre uma conduta bastante particular.
Distante dos holofotes, é artista na contramão da cultura do espetáculo, envolvido pelo próprio fazer, exilado em sua própria arte. Tal postura já se insinuava em seus primeiros trabalhos, quando investia na exploração de temas estranhos não só em relação à arte brasileira, mas também em relação à cultura e ao meio-ambiente brasileiros.
Um dos seus primeiros trabalhos, realmente digno de atenção, foi a tela "Cangurus", índice de uma espécie de deslocamento de imaginário que acabou por se tornar uma constante na obra de Rosário. "Os enjaulados" são, certamente, índice desse deslocamento, que seria natural se se restringisse apenas a conteúdo, constituindo um procedimento irônico, arte que se faz com recursos da antiarte.
Todavia, a questão fundamental de Rosário não é a arte em si, mas a vida, e não a sua vida - o que resultaria numa atitude meramente lírica -, mas a vida em geral, não só a vida humana, mas também a vida dos bichos, a vida das coisas, a vida das cores, a vida do mundo, como se vê em séries como "Bichos sem conteúdo", "Livro aberto ao mar", "Todos sob tempestade" e "Mundo sobre mundo".
A "anima", a alma, aquilo que move a vida, é o que transparece como alvo do seu gesto artístico, seja no excesso de cor, na economia do traço ou na busca incansável de objetos plenos de sentido pelas ruas da cidade grande, numa vontade incontível de encontrar a humanidade imersa no lixo produzido a cada dia. Uma "matéria animada", para lembrar Giordano Bruno, é o que se ressalta na obra de Valdeir do Rosário.
Conheça o trabalho do artista no site http://www.valdeirdorosario.com.br/