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domingo, 13 de dezembro de 2009

LITERATURA | Criação

Os inodoros
Entrou, como quem não queria nada, e nada disse. Tinham respostas para perguntas que faria. Sabia, e por isso mesmo se desviava deles. Não queria respostas. Perguntas? Já não tinha tanto interesse pela vida. Que ficassem com todas as respostas e perguntas em todas as suas variações. Tentava ver por cima deles, para além daqueles rostos previsíveis. Sentia alguma coisa, por certo, que passava por ali, mas não se restringia àquilo ali. Não estava exatamente nele o que sentia, e era um pouco da razão daquela chegada.
Súbito - segurando nas cadeiras, como quem deseja atravessar, seu jeito estranho de chegar. Mas estranhavam, estranhavam. Ele não era ele. Menos e mais, aquém e além. Estava fora de si mesmo. Mas era exatamente a resolução desse problema que interessava. Pensavam assim. Eis que a diferença irrompia nele como tal, uma desproporcionalidade. Caberia pensá-lo, talhá-lo, contê-lo. Novamente. Mais um dia. Tabalhar. Era uma questão de trabalho. Trabalhadores trabalhando seus semelhantes. Tinha um problema de funcionamento. Stress, stress.
Mas ele precisaria responder a impulsos lógicos, tudo é uma questão de lógica, lógica da vida. Na escala dos interesses, não da verdade. Ele, intransitivo, desinteressava-se pelo entorno. Ali estavam a sua frente. Nem amor nem ódio por ninguém. Respeito, óbvio, por qualquer coisa - deixa a coisa aí! Não viraria as costas. Sala pequena. Aproximava-se cada vez mais. E distanciava-se profundamente. Eram iguais, cópias. Eram terrivelmente iguais, como duas folhas de papel A4. Esforçava-se para sentir algum cheiro. Eram inodoros.
Mas eram educados, sem dúvida, por isso ansiavam por suas perguntas ou respostas. Como os feria aquela intransitividade! Ele não estaria ferido. Era o agressor - ele era o agressor. Nele, a humanidade se havia perdido naquele instante. Fera. Não ficariam ali, encurralados. Se tinham feito algo, se lhe tinham feito algo, tudo era justificável. Mas aquela situação era insustentável. Quem é você? Chega assim, de uma hora para outra, e nos olha como inimigos. Sim, eram inimigos. Um. Dois. Três. Todos - um reino inimigo. Não tinha nada mais a lhes dizer. Não eram dignos de ouvir.
- Então, vamos almoçar? -, disse o mais porco de todos.

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