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terça-feira, 31 de março de 2009

AFRICANIDADE | Emanoel Araújo

ANELITO DE OLIVEIRA - Em outubro de 2003, Emanoel Araújo, artista plástico e curador baiano, a quem a cultura brasileira deve imensamente, esteve em Belo Horizonte com mais uma das suas grandes mostras de arte afrobrasileira, desta vez sob a tarja “Para nunca esquecer: negras memórias / memória de negros” (todo o material exposto está reproduzido num belo livro publicado pelo Ministério da Cultura). A exposição teve lugar no Palácio das Artes e fez parte das atividades da 2ª edição do Festival Internacional de Arte Negra que se realizou naquele ano, oito anos depois da 1ª edição desse evento extraordinário, ocorrida em 1995. Dois dias antes da abertura oficial, impressionado com a grandeza estética e humana de todo aquele gesto, fiz a entrevista com Emanoel que aqui disponibilizo. Era uma tarde de sábado, num momento em que o artista, todo generosidade, interrompeu a correria e sentamo-nos no café do Palácio, com a assistência atenciosa de Rita Amorim, da Fundação Centro de Referência da Comunidade Negra em BH.
Ainda quando a exposição estava em cartaz, tentei publicar esta entrevista no diário belorizontino “O Tempo”, pensando numa repercussão mais pontual, mas não consegui; sequer se interessaram por reproduzir quaisquer trechos. Cheguei a pensar em publicá-la no “Suplemento Literário de Minas Gerais”, mas todo o desarranjo administrativo daquele momento, que culminou no meu pedido de demissão, não me permitiu fazê-lo. Pensei depois, várias vezes, em submetê-la a algum periódico acadêmico ou para acadêmico, mas acabei desistindo, pensando que talvez pudessem fazer pouco dessa conversa inteligente, rara, com um nome imprescindível para a discussão sobre africanidade no país. E assim fiquei, durante todos estes anos, numa situação meio parecida com a do próprio Emanoel: carregando nas costas um patrimônio – imaterial – negro, numa condição de guarda de algo bastante valioso. Finalmente, para que não fique no limbo mais seis anos, aqui está esta entrevista, na esperança de que possa contribuir para a multiplicação do respeito e admiração pelo grande Emanoel Araújo.

*

Arqueologia de uma cultura soterrada

Está aqui um curso de pós-graduação sobre cultura afrobrasileira. Digo, após uma segunda visita na tarde de sábado último, e ele – o artista plástico baiano Emanoel Araújo – ri, modesto. Mas, na verdade, não vejo melhor definição em face desta mostra “Para nunca esquecer: negras memórias/ memórias de negros”, com a qual Belo Horizonte entra no clima da tão esperada (demora demais tudo que contempla os negros!) segunda edição do FAN – Festival de Arte Negra. Emanoel Araújo é o curador dessa exposição cuja caminhada começou, na verdade, no Rio de Janeiro em 2001. Sua última paragem foi, recentemente, em São Paulo.
Há um viés didático, uma tentativa de apresentar ao espectador as inúmeras inscrições de e sobre os negros ao longo de cinco séculos no Brasil. “Não só didático: eu diria didático e estético”, enfatiza o curador. De fato, são inscrições artísticas propriamente ditas – pinturas, esculturas, fotografias, poemas etc -, mas também não-artísticas, como fragmentos de jornais de combate ao racismo que circularam nas primeiras décadas do século XX no Brasil. Trata-se de um imenso arquivo de imagens e letras que nos revelam o sublime mas também o grotesco que envolvem os negros ao longo da história brasileira.
O arranjo da mostra parece objetivar uma compreensão da parte do espectador a um só tempo diacrônica e sincrônica, quer dizer: de maneira linear, passo-a-passo, mas também circular, de uma vez. Essas duas possibilidades de leitura ficam, inclusive, estimuladas pelo próprio fato de que todo o material não coube em apenas uma sala, aquela que se encontra já na entrada do Palácio das Artes. Parte do acervo foi organizado no térreo, o que, segundo Emanoel, não compromete em nada sua ordenação conceitual. De toda forma, na parte de cima o “rapsódico” Mário de Andrade dá o tom, enquanto na de baixo quem o faz é o “semeador” Antonio Vieira – do carnaval à missa, portanto.
Depois de duas caminhadas pela exposição – uma na tarde de sexta e outra na de sábado último -, Emanoel Araújo fala da existência de “ponto e contraponto” nisso que é, sem dúvida, um concerto barroco. A aproximação à música – que, alias, é parte da exposição, com trilha preparada exclusivamente pelo percussionista Djalma Corrêa – é muito cabível, servindo para confirmar o modo como Emanoel se relaciona com o passado afrobrasileiro, que é um modo musical, móvel, leve, solto, não aquele modo, digamos, na falta de outra expressão, “escultórico”, pesado, duro, tão criticado pelo grande avaliador da cultura afrodescendente no Brasil dos anos 40 que foi o etnólogo francês Roger Bastide.
O excesso de elementos que encontramos em “Para nunca esquecer” só revela a perspectiva includente adquirida por Emanoel Araújo em função do seu modo musical, este aspecto que se evidencia, por sinal, na abertura do livro-catálogo com o poema “Antífona”, de Cruz e Sousa, o ouvido mais musical da literatura brasileira. “Uma provocação que eu acho importante fazer”, afirma sorrindo este incansável “ajuntador” de memórias que pensa, ao contrário dos “radicais”, que o importante é incluir todas as coisas, e não excluir. Incluir – constatamos - até coisas e pessoas que não são benquistas pelo “mainstrean” dos que pensam a questão racial no Brasil. Gilberto Freyre – arauto da democracia racial – é um dos incluídos, por exemplo.
Com essa perspectiva includente, Araújo logra revelar, sobretudo, o seu destemor na abordagem da cultura afrobrasileira, uma liberdade típica de alguém maduro o suficiente para tudo encarar de maneira lúcida, sem frágeis crendices, com a imparcialidade possível. Seu olhar, a despeito de não ser friamente calculista, cientificista, é aquele de um arqueólogo, como ele mesmo o reconhece: “penso que a exposição seja uma arqueologia de uma cultura que foi soterrada, esse grande caldeirão que está sempre subterrâneo; revisitar essa memória é, no fundo, retirar essa cultura de um porão (diante do qual), por mais que você grite, grite, grite, continua sem ressonância”.


Como surgiu a ideia dessa exposição?

Esta exposição é resultado de outras. Na realidade, nasceu em 1987, quando, por ocasião do centenário da abolição (comemorado em 1988), organizei a exposição “A mão afrobrasileira”, um levantamento do que foi o negro na cultura brasileira desde o Barroco, que se tornou um livro. É mais ou menos o que faço hoje.
“A mão...” ainda era uma pesquisa em andamento, muita coisa foi mudando, foi-se afinando, ficando mais didática também. Em 93, fiz uma outra chamada “Vozes da diáspora”, homenagem ao então recém-falecido Rubem Valentim. Depois fiz “Brasil África Brasil”, em homenagem a Pierre Verger.
“Negras memórias/memórias de negros” começou de fato na Bahia, em 1983, quando fiz a exposição “Bahia África Bahia”, que registrou um fato muito curioso: levou 1500 pessoas à abertura, num domingo, às sete horas da noite.
Também fiz exposições como “Herdeiros da noite”, que trouxe a Belo Horizonte (por ocasião do primeiro Festival de Arte Negra, em 1995), e “Negro de corpo e alma”, antes de chegar a esta exposição.

Com “Negras memórias”, o Sr. fecha um ciclo de exposições sobre o tema?

Não ainda. Há lugar para uma outra que quero fazer, que é aquela que chamo de um grande halo criado por esta sociedade que se estabelece a partir da escravidão, da diáspora (africana). Seria uma exposição envolvendo o Brasil, a América do Norte, o Caribe e a América do Sul – aqui, as populações negras que a gente não conhece do Peru e do Uruguai, por exemplo.
Penso naquele tambor que está ali (aponta para a sala de exposição) como metáfora da ressonância da presença negra nas Américas, no Caribe etc. Com a chegada dos negros a esses lugares, formou-se uma sociedade afroamericana, caribenha ou afrocubana.

A exposição me parece um grande inventário da presença negra no Brasil. É sua intenção apresentar uma visão macroscópica da questão, digamos, com a finalidade de superar uma visão microscópica?

Não, necessariamente. Penso que a exposição seja uma arqueologia de uma cultura que foi soterrada. Esta exposição, assim como as outras que fiz, tenta trazer à luz todos os elementos que compõem a cultura brasileira.

Esse grande caldeirão...

Esse grande caldeirão que está sempre subterrâneo. Revisitar essa memória é, no fundo, retirar essa cultura de um porão, de um terreno soterrado onde ela se encontra e por mais que você grite, grite, grite, por mais que você faça alarde, ela continua sem ressonância. Essa exposição é importante para mim no sentido de que possa ser uma ressonância sob vários aspectos: o da auto-estima, o da necessidade (da ostentação) do halo ancestral que existe entre o estigma e a vida.

A que o Sr. atribuiria a pouca ou quase nenhuma ressonância dos afrodescendentes enquanto tais neste país ainda hoje?

Sabemos que é uma questão de poder.

Poder aquisitivo?

Não. Poder de encontro. O que sinto é que há um grande desencontro (entre o negro e sua cultura), uma falta de conhecimento de um lado que não seja o do estigma. A gente não sabe quais os vultos afrodescendentes que foram fundamentais para a constituição da cultura brasileira, poetas, engenheiros etc que, a despeito do preconceito, conseguiram ir além. Acho importante conhecer Cruz e Sousa, que haja, afinal, o estudo da cultura negra. Acho fundamental saber que existiram também José do Patrocínio, Teodoro Sampaio, André Rebouças e tantos outros.

Por sinal, o Sr. abre o livro-catálogo da exposição com o poema “Antífona”, de Cruz e Sousa. O que o levou a essa atitude?

Volto à questão da metáfora. Cruz e Sousa é um poeta que me emociona muito. Aqui (aponta novamente para a sala da exposição) tem um trecho do (poema em prosa) “Emparedado”, que de fato é o momento mais terrível em que ele (o poeta) se encontra. Ele tem uma densidade luminosa, inventiva, e isso me interessa.
Acho que há artistas que não poderiam se expressar de outra maneira senão aquela com que se expressaram em face dos dogmas da sociedade. Para mim, um poeta como Luiz Gama, com a coisa da ironia e do sarcasmo em relação ao racismo, é tão importante quanto Cruz e Sousa, que vai para o outro lado, com o simbolismo.
Não tenho uma explicação muito objetiva para o fato de ter colocado Cruz e Sousa na abertura do catálogo. Mas é mesmo uma provocação que eu acho importante fazer.

Ainda no seu texto no livro-catálogo, o Sr. cita várias figuras afrodescendentes famosas, mas omite Pelé. Há alguma objeção a ele?

Não. Pelé não precisa.

Pelé e Cruz e Sousa são antípodas: enquanto um é símbolo do negro super bem sucedido economicamente, o outro é símbolo do mal sucedido...

Não tenho uma ideia formada sobre Pelé. Acho que ele tem todo o direito de não entrar em certas discussões e não comprar certas brigas. Sinto que ele tem uma dívida com a comunidade negra. Teria nos livrado de uma série de coisas se tivesse assumido outra postura, mas ele tem direito de ser o que quiser.
Todas as personalidades que compraram a questão do negro, entenderam ou tentaram entendê-la, são muito importantes para o inconsciente coletivo. Acho que Gilberto Freyre, por exemplo, é uma grande figura, muito embora os radicais (que refletem sobre a questão racial no país) o detestem. Ele, assim como Jorge Amado, tenta incorporar nossa cultura, esse amálgama, com todas as contradições, todos os encontros e desencontros.
Também Jorge de Lima e Nina Rodrigues que, mesmo com a posição racista que a antropologia do século XIX realmente tem, é o primeiro a escrever sobre a arte negra enquanto Belas Artes em 1904. Muitas vezes temos atitudes radicais que excluem, e eu acho que temos que incluir todas as coisas.

O Sr. está otimista em relação ao momento atual no Brasil, com Gilberto Gil, Benedita da Silva e outros negros em ministérios do Governo Federal?

Temos que ser (risos). O Brasil é um país muito curioso em relação ao preconceito. Fico pensando na postura que se tinha há dez, quinze anos atrás, por exemplo, (em relação ao) elevador social: havia um porteiro negro que perguntava ao síndico, quando chegava um outro negro: é para entrar no elevador social ou não? Todos experimentamos isso. Agora uma simples lei vem e acaba com esse racismo, mostrando que certas questões de preconceito são passíveis de serem resolvidas, basta que haja coragem de assumir que tem que ser resolvidas.
Acho que é muito legal a presença de negros no Ministério, bem como a preocupação de que haja diplomatas negros no Itamaraty. Há uma mudança, de fato. A importância internacional que se dá ao Governo Lula vem exatamente daí: pela primeira vez está-se quebrando essa hegemonia oligárquica, filha-da-puta, que havia aqui. Acho que a gente não percebeu ainda essa mudança porque ainda é muito cedo.

O Sr. acha que Lula tem uma consciência para-racial (Emanoel ri), senão racial propriamente dita?

Creio que social, étnica. Mas acho que, na realidade, ele também tem uma consciência racial, já que seu Governo está criando agora o sistema de inclusão de estudos africanos no currículo escolar.

E a questão das cotas para negros em Universidades. Considera esse sistema positivo ou negativo?

Positivo. Acho que é uma ação afirmativa muito importante. Você tem que educar as pessoas, tem que melhorá-las, precisamos de mão-de-obra especializada. É assim que se pode diminuir a discrepância social. O que nos falta, na realidade, é uma grande consciência que faça com que os donos da terra, os brancos da terra (risos), possam dividir o que têm. Não adianta você morar num apartamento e ter um “mercedes bens” na porta se na esquina você vai ser seqüestrado. E ninguém nasce ladrão nem criminoso, não é verdade?


Voltando à arte: como se dá sua passagem de criador para colecionador de artes e expositor?

Tudo começou quando comecei a estudar belas artes nos anos 60, em Salvador, e freqüentava o Instituto Histórico e Geográfico e os museus da polícia. Na época, eu estudava e trabalhava no departamento de turismo da Bahia. Era uma época em que os terreiros de candomblé pediam autorização à polícia para funcionarem.
Tinha um amigo antropólogo e me veio dele essa consciência de ver, de vasculhar, de descobrir obras que estavam guardadas no Instituto Histórico e Geográfico e nos museus da polícia, onde eram usadas com o objetivo de provarem que os negros eram inferiores aos brancos.
Ainda hoje resta uma coleção de arte litúrgica no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, formada por obras aprisionadas durante batidas policiais em terreiros na Bahia. Também há coisas em museus da polícia do Rio de Janeiro. No museu do Estado de Pernambuco também há muitos objetos litúrgicos dos xangôs do Recife.
Com o tempo, fui tomando consciência dessas obras, juntando-as e comprando aquilo que aparecia no mercado, não tudo, é claro. A cada pesquisa, a coleção foi se ampliando.

Sua coleção de arte afrodescendente é a maior hoje no Brasil?

Não sei se há outra. Há? (risos)


Ontem (sexta-feira) o Sr. me dizia que há um projeto de criação de um Museu Afro-Brasil em SP, que teria a guarda dessa sua coleção.

O projeto surgiu agora quando a coleção estava exposta na FIESP, em SP, onde o Secretário de Cultura da cidade – Celso Frateschi – a viu e aventou a possibilidade de se reunir isso como Museu. Por outro lado, eu estava empenhado, a pedido de Gilberto Gil, no trabalho de conceituação e tipologia de cinco museus: o Museu Afro-brasileiro da Bahia, o Museu de Congonhas, um do Pantanal, um outro de Ouro Preto, um de Aleijadinho etc. Martha Suplicy, prefeita de SP, foi quem ficou entusiasmada para criar o museu a partir dessa coleção, que seria posta em comodato.
O museu trabalharia sobre essa coleção, que, na realidade, é uma coleção meio bruta porque tem fotografia e uma série de outros objetos que nem são expostos, não só do Brasil como da África, do Caribe, inclusive uma biblioteca de quase dois mil volumes sobre a cultura afrobrasileira. Portanto, é um núcleo que caberia dentro de um museu. Por outro lado, chega um momento de eu não poder carregar mais toda essa tralha nas minhas costas.

Esta é a última vez que o Sr. carrega essa “tralha”?

Não sei. A princípio, seria, embora tenha um convite para que essa exposição vá para o Paraná, para Washington D.C. Mas, a princípio, encerra aqui.

E encerrar aqui em MG tem um significado especial para o Sr. Lembro de uma passagem do seu texto no livro-catálogo em que o Sr. se refere a Aleijadinho como “o imenso”. Como são suas ligações com MG e Aleijadinho, em especial?

Com Aleijadinho, nem posso dizer, depois de tudo que dele se falou, tantos intelectuais como (o francês) Germain Bazin. Posso falar que o que me fascina no Museu de Congonhas (em torno da obra de Aleijadinho) é exatamente a possibilidade de trabalhar um conceito de museu em que não fosse necessário remover os profetas, mas sim deixá-los onde estão, tratá-los museologicamente e levar a via-sacra para o Museu porque acho que ela é o grande canto do cisne de Aleijadinho e não consegue chegar ao espectador porque está dentro daquelas capelas.
Gostaria de transformar aquela via-sacra num grande teatro, de forma que se visse a escultura na sua totalidade, na sua inteireza. Essa era a razão primordial pela qual eu toparia trabalhar no Museu de Congonhas. Parece-me que um museu puramente massivo, onde as pessoas chegam e vêem, ainda é pouco. Precisaria trabalhar outras questões, como a pedra, um grande estudo sobre a pedra-sabão. É mais um projeto entre os muitos em que me meto (risos).

E, por falar nisso, como o Sr. recebeu recentemente a reedição da tese sobre a possível inexistência de Aleijadinho?

Lembro de Mário de Andrade. Quando alguém lhe dizia que Aleijadinho era primitivo, ele perguntava: primitivo por quê? Em relação a quê? Não existe por quê. Claro que não é sério levantar questões como essa (da inexistência de Aleijadinho), que é uma invenção. Claro que há uma obra construída, que tem similute, referência, princípio. Acho um absurdo que alguém levante essa questão. Deve ser algum inimigo de Minas Gerais.

Lezama Lima dizia que Aleijadinho representa a rebelião dos negros na cultura latino-americana.

É fantástico que o filho de uma negra e um português tenha chegado a tamanha genialidade no século XVIII e produzido o que produziu. Aleijadinho é imenso, apesar de todas as questões que se apresentem sobre ele, é a maior coisa do século XVIII. Só Congonhas é monumental, é um homem grandioso.

A controvérsia em torno de Aleijadinho não lhe parece exemplar da controvérsia em torno da memória afrodescendente no Brasil como um todo?

Na verdade, o próprio nome Aleijadinho já é um estigma. Nossos heróis – brancos ou negros – têm sempre um estigma. No Brasil, as coisas se esfacelam: ele era aleijado, não tinha mãos, e como é que alguém pode esculpir sem mãos? É um absurdo! Por outro lado, há personagens que preservaram a memória de outros personagens importantes. Aleijadinho é conhecido no Brasil e em muitos lugares do mundo. Se a memória é nossa, cabe-nos preservar.

Nós, quem? Os negros?

Nós, negros.

Parece-me um trabalho solitário. Não há, de um modo geral, um sentimento de responsabilidade com o passado entre os negros como há entre os brancos.

Pois é: nossa memória de um modo geral é escamoteada. É estranho, é um traço colonial. Por outro lado, acho que temos sempre que revisitar essa memória. Daí o meu esforço no sentido de organizar o museu. Porque o museu é o espaço onde essa memória pode ser sempre repassada, sempre discutida, suscitando sempre novas ideias e pesquisas.

Creio que, ao ser despertada, essa memória por si só já funciona como uma crítica ao modo como a sociedade brasileira se relaciona com os negros.

Alguém vai dizer que essa história não está contada. E,de fato, não está. É preciso contá-la. Por isso que digo que é um trabalho de arqueologia. (e sai a caminhar pelas salas onde está a exposição).

3 comentários:

  1. anelito:
    a fala do emanuel araújo sobre o aleijadinho me
    fez recordar conversa minha com o carlos scliar,
    quando lhe perguntei sobre os 3(temos mania de 3) maiores artistas plásticos do brasil.ele foi direto em 2 :"o aleijadinho e o niemeyer".não
    chegamos ao terceiro.
    romério

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  2. valeu, romério!
    bom que você tomou contato com essa entrevista com emanoel, ressaltando, uma vez mais, a grandeza de aleijadinho.
    grande abraço.
    anelito

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  3. Estou dirigindo um longa-metragem sobre a vida e a obra de Emanoel Araujo, para seguir é só visitar o blog do filme www.emanoelsemfronteiras.com

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