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domingo, 13 de janeiro de 2013

ARTIGO | Anelito de Oliveira

Decadência


Talvez nada consiga dar a medida precisa do esplendor ou da decadência de uma sociedade do que a cultura, em todos os seus sentidos: estético, pedagógico, antropológico. O que se faz sob o nome de cultura é sempre mais do que suficiente para que se perceba o que uma sociedade é, ou está sendo. Tudo aquilo que os discursos poderosos, hegemônicos, impedem-nos de ver, as práticas culturais urbanas - legitimadas como "a" cultura - acabam por nos mostrar.
A publicação dos poemas do vice-presidente da República Michel Temer pelo Caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, neste domingo 13/13 é mais um dos atestados eloquentes do estágio de decadência da cultura brasileira. Chega a ser difícil contabilizar quantos desses atestados encontramos diariamente hoje em dia, a começar pela programação da Globo aberta, das TVs evangélicas, passando pelo sertanojo, os axés, as redes sociais, como a lavanderia Facebook, até chegar aos jornalecos e jornalões. 
Num cenário cultural pujante, íntegro, crítico, como se viu no passado recente e remoto no país, os montes de palavras do político proselista do PMDB não teriam espaço, obviamente; o próprio autor teria vergonha de publicar tanta besteira sob o nome pomposo de poesia. Também os seus editores - na Folha e na Topbooks, editora de Temer - teriam vergonha de oferecer aos seus leitores uma coleção de asneiras que nada lhes acrescenta. Que diriam um Holanda, um Carpeaux, um Glauber? 
Todavia, há um cenário cultural que torna admissível todo tipo de ação nestas quase três décadas da chamada reabertura democrática, que acabou por legitimar uma espécie de primado do consenso na vida social brasileira, como se isso fosse possível. Nesse cenário, tudo é permitido, desde que seja adequadamente negociado e, claro, dependendo de quem esteja participando da negociação, do que cada espertalhão ganhará - o mais importante. 
Poetastros, pseudoartistas, sempre houve e haverá em todos os tempos e lugares, mas o fato é que eles têm se tornado maioria no país, pautando editoras, redações de jornal e revista, feiras literárias, canais televisivos, órgãos de cultura etc. Eles - ou seus subordinados - estão no comando, cada vez mais, dos espaços de gestão e dos meios de produção e divulgação, de forma que a cultura brasileira hegemônica - aquilo que mais aparece - vai-se convertendo numa grande máquina opressora, aculturadora.
A publicação do livro Anônima intimidade de Temer e a publicação de alguns "poemas" pela Ilustríssima não podem ser vistas como ações normais, apenas profissionais, mas como ações comprometidas com a continuidade e fortalecimento do projeto político da casa grande, cultivado por PMDB, PSDB e tantas agremiações que se gabam de ser republicanas. Ridicularizar a inteligência, de que a poesia é a imagem decisiva em toda sociedade, é naturalizar a imbecilidade que garante o êxito dos opressores.  

2 comentários:

  1. Havia lido os poemas e me perguntado: ???. Se a Ilustríssima está publicando, sentia-me um pouco acovardada a questionar. Mas ainda assim, me perguntava: ???Então, adorei a sua coragem, caro Anelito. Meu questionamento não era quanto ao Michel Temer, com direito a rabiscar o que quiser entre as viagens de vice, mas à Ilustríssima. Afinal, acreditava no caderno...Ah, sim, então, é isso (o de sempre): o interesse político tenta chegar também à poesia, depois de derrubar economia e social.
    Abraço, Anelito!

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  2. Tudo se resume á frase final do artigo: "Ridicularizar a inteligência, de que a poesia é a imagem decisiva em toda sociedade, é naturalizar a imbecilidade que garante o êxito dos opressores." .. Tenho nojo dessa pseudocultura comprometida. Isso é pura "lixeratura". Me sinto ofendido quando uma coisa dessas acontece. Escrevo poesia há quarenta anos e nunca consegui ser publicado por uma editora. Chamar essa porcaria (não li, nem quero, mesmo - não preciso comer merda pra saber que é ruim) de poesia é ofender a poesia!

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