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domingo, 5 de maio de 2013

POEMA | Anelito de Oliveira


Dentro da onda


Para Waly Salomão



Riamos, ríamos muito, ríamos
Completamente, e era difícil saber
De que estávamos rindo ali em
Meio à tarde, num espaço sóbrio,
Ríamos, você lá no Rio, eu em BH,
Você, colaborador ilustre, eu editor
De um suplemento literário, ríamos,
Claro, da nossa condição ridícula
No mundo, tentando ser, saber
Alguma coisa, condição que se ia
Revelando ali a cada lance retórico,
Você se dizendo tabaréu do sertão
Baiano e me dizendo jagunço do
Sertão rosiano, cheio de negaças,
Como é? Negaça, é, máscara, você
Parece um jagunço! Quem? Eu?!
E ríamos, ríamos da vida como ela é
Enquanto você atirava postas de vidas
Estrangeiras aos meus ouvidos como
Um bricoleur deslumbrado no lixão
- Ele, ele, ééé, Ele com E maiúsculo,
Uma entidade de que não pronuncio
O nome – quem? Hélio Oiticica? Sim,
- Não me arrisco nem a dizer o nome
Dele tal é o meu respeito, Ele, sim!
E Cássia Eller no Dona Lucinha nas
Noites de show, coisas a perceber
Risonhamente no mundo, Caetano –
Este, sim, esperto como uma Cobra
Coral -, O Rappa cantando Vapor
Barato, Afroreggae reinventando o
O som do morro, o mangue de Otto,
E coisas também a desperceber – uma
Bahia e tantos baianos na margem
De uma onda reacionária – sim, e ele
Repetia à exaustão como quem fazia,
Suando, vatapá ou agitava candomblé
- sim, sim, sim, por isso vim embora
Um dia, “Memória da pele” é isso,
“Eu já me esqueci você”, é a Cidade
De Salvador, eu deixando a Bahia,
Nada desse negócio de ficar à margem
Da onda, assistindo de longe, eu
Quero ficar é dentro da onda, dentro
Da onda, dentro da onda! –, e era de
Lá, eu pensava, que vinha sua voz,
De dentro de uma onda convulsa onde
Você morava profundamente, que lhe
Era íntima e de quem você era íntimo,
Sua homérica onda árabe que não se
Apaziguava – Que paz o quê? – Você
Gritando a plenos pulmões na noite
Sertaneja – o que existe é guerra, é
Guerra! – E todos amedrontados, a
Temer que você os violentasse, todos
Assombrados com a sua loucura, cada
Um procurando seu canto, enquanto
Você gritava ao telefone cobrando o
Pagamento pela sua performance  e
Se rebelando contra o cinismo estatal
Que assassina a poesia – Poetas pela paz?
Que paz o quê? É guerra, guerra! – e,
Tapando o som do telefone de mesa,
Olhava para mim – que estava ali pelo
Prazer de reencontrá-lo - e ria, ria, ria,
E ríamos daquilo que sabíamos ser
Apenas mais um ato da peça barroca
Que você encenou durante toda a vida,
A graça, por que ríamos, não sabiam,
Era a presença de Waly no mundo
     


05 de maio de 2013

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