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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

AFRICANIDADE | Mais uma falácia

ANELITO DE OLIVEIRA - Atualmente, tem crescido uma onda de contestação das cotas para afrodescendentes em universidades públicas, sob o argumento batido de que são injustas, de que são igualmente racistas, e mais: de que são estímulo ao conflito entre etnias de origem "africana" e "européia" no Brasil, entre aqueles que se reconhecem como negros e aqueles que se reconhecem como brancos. Falácia! Mais uma no país das falácias que precisa ser combatida para que não vire verdade e influencie a decisão do STF sobre o assunto este ano.
As cotas têm dado oportunidade a um número expressivo de negros de fazer um curso superior nas racistas universidades públicas brasileiras, especialmente nas federais. Estão tornando possível aquilo que foi sonho para inúmeras gerações de negros. Esta é a verdade que muitos não querem ouvir, sobretudo os que se consideram "não-racistas".
Quem são eles? São "leitores", intérpretes, da sociedade brasileira, mas equivocados, reducionistas. Não são leitores realmente críticos dessa sociedade. São, na maioria das vezes, movidos por um idealismo estéril, que os impede de conceber e, mais ainda, perceber o racismo em sua alta sofisticação, tal como se apresenta entre nós, penalizando e vitimando tanta gente.
Para esses "leitores", há racismo contra negros, por exemplo, somente quando há agressão física ou verbal e, mais ainda, os meios de comunicação social, principalmente a televisão, mostram em caráter de denúncia. Se os meios de comunicação não mostram, então não há racismo, mas apenas alguma grosseria que alguém cometeu em algum lugar da cidade, no trânsito, no Mineirão etc, contra um sujeito "de cor".
Agressões físicas e verbais, embasadas no fator racial, permeiam a cotidianidade brasileira de ponta a ponta, e ignorá-las, ou tratá-las como "humanas", típicas do convívio em sociedade, não passa de uma atitude covarde que consiste, antes de mais nada, num mascaramento da realidade. São agressões, sim, desumanas, próprias de quem não reconhece a humanidade do outro.
Todas essas agressões, das mais leves às mais graves, são manifestações da essência racista da sociedade brasileira, a essência que define a superfície dessa sociedade, e nossa obrigação básica, a de todo brasileiro, não só dos afrodescendentes, é diagnosticar essa essência e contribuir, de alguma forma, para extirpá-la, atitude fundamental para a erradicação futura do racismo. Esse diagnóstico exige senso crítico, formação escolar, acadêmica, consciência.Sem que o saibam, os "não-racistas", que insistem em acreditar no mito da "democracia racial", são os que enunciam, com maior eficácia, a razão maior das cotas: o reconhecimento do racismo na sociedade brasileira, e mais: o reconhecimento do lugar decisivo que o racismo ocupa na organização social brasileira. O que os "não-racistas" estão dizendo é, sem dúvida: somos contra as cotas, não queremos negros nas nossas belas universidades públicas. Ou não?
Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 08 de janeiro de 2009.

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