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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

POLÍTICA | Governos e cidades

ANELITO DE OLIVEIRA - Ao fim-começo de cada governo, qualquer que seja, há uma tendência ao silêncio, sobretudo da parte daqueles que estão saindo, como se esta fosse a grande contribuição àqueles que darão início a uma nova jornada administrativa. Na verdade, esse silêncio acaba contribuindo mais para a afirmação de um ponto de vista bastante nocivo ao país - enunciado recentemente, inclusive, por Lula como forma de alfinetar FHC mais uma vez -, que é aquele de que cada experiência governamental restringe-se a si mesma, nada tendo a ver com aquela experiência que a precedeu, tampouco com a experiência que a sucederá. Logo, essa experiência consistiria em governar o governo, na qual o objeto que se governa seria o próprio governo, o que é, naturalmente, um absurdo.
Se o que se governa, durante um determinado tempo, é a famigerada “polis”, a cidade como lugar e como entidade jurídica, não há motivo para o silêncio de quem está saindo ou para o barulho de quem está chegando, causando a impressão de que um grupo desceu à estaca zero, ao fracasso, e outro está partindo também da estaca zero, de uma outra, começando uma vida totalmente nova num ano igualmente novo. A cidade constitui um referencial identitário entre um governo e outro, um tronco que, a contrapelo de partidos e ideologias, irmana os diversos governos: é a cidade que identifica a comunidade de ex-governantes, governantes atuais e potenciais, cuja diferença, em relação aos governados, reside justamente no fato de se identificarem com um mesmo objeto: identidade é o que remete a uma esfera comum.
O que interessa a todos os governantes é a operacionalização da cidade, fundamento inicial da luta pelo espaço de poder público, que vem sempre acompanhada por um ideal de justiça social, o que desperta a confiança do eleitorado. Todavia, nos primeiros meses de qualquer governo, vai-se comprovando um dado que só pode ser atribuído a uma pouca ou nenhuma responsabilidade dos governantes com a cidade: há mais problemas do que esperavam, muitos até insolúveis nos habituais tempo (curto prazo) e espaço (local). E geralmente essa sensação de insolubilidade passa, no caso dos municípios, pela escassez de recursos financeiros, que são os únicos que existem, lamentavelmente, para grande parte dos agentes políticos municipais: sem dinheiro, não há governo.
Essa dupla decepção, a que os eleitos para governar estão sempre suscetíveis, mesmo em tempo de lei de responsabilidade fiscal, poderia ser evitada, ou pelo menos amenizada, caso houvesse interação, diálogo, entre governo que se vai e governo que chega. Ambos ganhariam muito: o que se vai provaria, à opinião pública, sua transparência e capitalizaria prestígio para futura investida eleitoral; o que chega, ficaria desobrigado de resolver problemas criados pelo seu antecessor, sobretudo aqueles que extrapolam o campo financeiro e não são, portanto, levados em consideração por CGU (Corregedoria Geral da União), TC (Tribunal de Contas), problemas de ordem política, com sua substância simbólica, que resultam em prejuízo para a cidade. Ex: o que se pode considerar um “obrismo”, tributário de uma idéia simplista de desenvolvimento.
A cada fim de administração municipal, é fácil ver a alteração do “rosto” de uma cidade, e concluir que já não é mais a mesma, que foi “ressignificada”. Em BH, as novas Antônio Carlos e Cristiano Machado, a nova Praça da Estação, o “Boulevard” Arrudas etc. Na Montes Claros de Darcy Ribeiro, as novas Praças da Matriz e da Igreja Rosa Mística, o novo Quarteirão do Povo, as Câmeras de registrar contravenções e contraventores no centro da cidade etc. Essas obras – melhor dizendo: esse canteiro de obras – resultaram, evidentemente, de uma escolha que os governantes dessas cidades, que agora estão saindo, fizeram em detrimento de outras possíveis escolhas, como a de investir em processos de desenvolvimento humano: culturalidades, educatividades, sociabilidades etc. A seu favor, esses governantes têm o conceito – suspeitável, como tudo na vida – de “orçamento participativo”.
Não é difícil perceber que nessas cidades, a exemplo dos demais grandes centros do país, a começar pelo monumental monumento ao desenvolvimentismo (Brasília), a contraparte do “obrismo” tem sido o recrudescimento do desumanismo, com um aumento assustador da criminalidade. Em Montes Claros, são quase cem assassinatos brutais somente este ano, o que a coloca entre as cidades mais violentas do Estado. Pode-se atribuir isso – como se tem feito – às drogas, mas esta é uma justificativa genérica à qual nem mesmo as polícias têm totalmente direito; a sociedade merece toda eficácia dos poderes constituídos. A verdade básica é que assassinos e assassinados, violentadores e violentados, são, em sua maioria, jovens que andam a pé pela Antonio Carlos e não têm a serenidade necessária para curtir as praças de Montes Claros, situações cuja superação exige um gesto político novo dos governantes.
Obviamente, o desumanismo que vai tornando insuportável a vida nas cidades brasileiras não é privilégio nosso, também está presente pelo mundo afora, mas o fato é que aqui ele tem seus alvos bem definidos pela cor, raça, classe, gênero, idade etc. Há aqueles, a grande maioria, que estão mais sujeitos à agressão e à morte, que são exatamente os que mais dependem da cidade, do espaço urbano, para trabalhar, estudar, morar etc, que vivem (e morrem também) a cidade. E há aqueles, a minoria, que têm uma relação estratégica com a cidade, altamente segura. Nessa minoria, encontram-se praticamente todos os governantes, que precisam, por isso mesmo, aprender o tempo todo o que é a cidade que está, estará, sob sua responsabilidade. Aprendizado que, em paragens mais amadurecidas democraticamente (EUA, Europa), começa pelo diálogo entre quem governou e quem vai governar. Civilidade.
Texto publicado no jornal O Norte de Minas, Montes Claros, 13 de janeiro de 2009.

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