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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

POLÍTICA | Os sentidos da chegada de Obama à Presidência

ANELITO DE OLIVEIRA - A chegada de Barack Obama à Presidência da ainda maior potência mundial tem sentidos diferentes para os Estados Unidos, África, Brasil e outras formações societárias, como as do conflituoso Oriente Médio. Para os EUA, tem sentido claro de uma resposta eficiente à crise econômica em que Bush mergulhou o país e consequente redefinição de prioridades daquele Estado, privilegiando-se os cidadãos mais do que a máquina de guerra, ainda que não em detrimento desta. Para a África, o sentido é o de poder contar com um "african man" à frente da Casa Branca, alguma garantia de que tantas tragédias, como a que assola o Congo neste momento, poderão ser tratadas com mais respeito, para além da retórica catolicista da ONU. E, para o Brasil, tem um sentido, sobretudo, moral, a afirmação de uma possibilidade historicamente empurrada para o campo das impossibilidades: negros na esfera de poder público.Em tempos de diplomacia festiva, sintonizada com o espírito petista, chega a ser natural uma expectativa positiva no que diz respeito às relações econômicas entre o Brasil e os EUA a partir de agora. Parece que Lula, Amorim, Mangabeira e companhia entendem que Obama será mais condescendente com o Brasil, mais amigo, do que seus antecessores. Ele é "inteligente" - disse Lula a afrodescendentes no ano passado, logo depois da vitória de Obama -, motivo pelo qual não pode errar, enfatizou o presidente, sob pena de atribuírem a culpa à sua cor e nunca mais elegerem um negro para a Presidência. A expectativa de Lula está diretamente ligada, portanto, ao dado étnico, que é fundamento também da expectativa dos seus assessores, egressos, em sua maioria, da racista elite socioeconômica brasileira, cujo terrível mérito é o de ter formatado e continuar formatando o ponto de vista de quase toda a população brasileira em termos de questão racial, de tal modo que é quase impossível encontrar alguém que não pense racialmente no Brasil.O fato é que Obama é estadunidense e foi eleito para ser presidente de uma nação com sua própria história, cultura, realidades e problemas, mas com a obrigação maior, inquestionável, de defender os interesses do seu povo. No exercício dessa obrigação, certamente terá que contrariar interesses locais e globais, momento em que, certamente, será acusado de errar, e racistas do mundo inteiro, a começar pelo Brasil, logo dirão: coisa de presidente negro, está se vendo? Entretanto, em face de toda a ópera horrorosa de Bush e de toda a pajelança sem graça e até nojenta que marca a era Lula, ninguém jamais disse: coisa de presidente branco ou pardo. As ações de um negro, onde quer que se dêem, sempre são passíveis de uma personalização que visa não só desestabilizá-lo, desqualificá-lo, mas dar uma injeção de baixa estima nos negros, dizer-lhes que seu lugar não é no poder público, à frente dos processos sociais... Felizmente, a possibilidade desse preconceito funcionar em relação a Obama é praticamente nenhuma. Comemoremos.
Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2009.

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