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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

UNIVERSIDADE | Triste fevereiro

ANELITO DE OLIVEIRA - Fevereiro inesquecível para os professores da Unimontes e da UEMG, as duas Universidades estaduais de Minas Gerais. Foram longos meses de espera, de cultivo de uma esperança que os fez sacrificar até as festas natalinas e encerrar o segundo semestre letivo de 2008 somente na segunda semana de janeiro de 2009. Moveram-nos uma confiança no Governo do Estado – confiança em políticos profissionais, ao final das contas – que só mesmo professores ainda são capazes de ter. Agora, a decepção enorme: o Governo não concederá o “aumento” salarial à categoria nesta primeira semana de fevereiro, conforme acordado. Concederá só aquilo que, sutilmente, pode-se considerar um lenitivo humilhante: 7% de reajuste no vencimento básico.
A SEPLAG (Secretaria de Planejamento e Gestão), questionada pela Associação dos Professores da Unimontes, explicou, via email, que o que foi prometido não será rigorosamente cumprido em função da burocracia inerente ao processo. Mesmo com o Governador tendo assinado o Decreto-Lei que regulamenta o “aumento” ainda no último dia do ano passado, tendo feito, portanto, sua parte burocrática. Os professores, em face da fria explicação da SEPLAG, devem entender essa situação, pelo jeito. Tudo assim, simples: entendam; vocês serão prejudicados, mais uma vez, mas entendam. É o tipo de situação em que entender não pode significar concordar, já que a questão é eminentemente política, implica definição de prioridades do Governo.
O “aumento” acordado para este fevereiro em sua totalidade (7% sobre vencimento básico e gratificação permanente, tudo retroativo a outubro 2008) foi decisivo para colocar fim a um dos movimentos grevistas mais bem articulados pelos professores das duas Universidades, que se estendeu por todo o semestre passado, culminando na paralisação das atividades docentes. Não foi um movimento apenas por salário, mas, sobretudo, por respeito a milhares de profissionais que constroem a cada dia, numa luta intensa pelas Minas e Gerais afora, dois espaços de excelência em produção de conhecimento, como o comprovam dados do ENADE e a opinião pública.
No diálogo entre representantes legais dos professores da Unimontes e UEMG ano passado, o Governo acabou, inegavelmente, por dar exemplo de esforço político: acatou proposta para ampliação considerável dos gastos com a folha de pagamento. Demonstrou sensibilidade para com a situação dos professores e compromisso com a educação superior para uma parcela expressiva da população mineira. Todavia, neste momento, é esse mesmo esforço que está sendo desqualificado pela força da burocracia, com os professores se sentindo logrados, vitimados pelo que só podem entender como descaso do Governo, e predispostos a começar o novo semestre em greve. Triste fevereiro.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

JORNALISMO | Editorial

ANELITO DE OLIVEIRA - Pra quê este blog?
Pra falar de coisas pessoais, como tantos?
Um diário aberto ao público?
Para exibir proezas de uma vida supostamente rara?
Não. Claro que não.
Este blog atende a uma finalidade mais profissional, digamos. Pretende ser, como alguns, um espaço para publicação de textos que podem interessar a algumas pessoas próximas e distantes, nas Duas Barras e no Butão. Poucas, sem dúvida.
Pretende, também, ser um espaço para dialogar com essas pessoas em dias terríveis, como são estes em que estamos vivendo desde a década passada.
Terríveis? Por que terríveis?
Terríveis porque estamos emparedados no mundo livre s/a. Com aquele sentimento que Cruz e Sousa (1861/1898) soube apreender como ninguém na cultura brasileira e expressar no seu “O emparedado” (Evocações, 1898; In: Obra completa, Aguilar, 1995).
As paredes sousianas, como tentei mostrar numa tese de doutoramento na USP (O clamor da letra: elementos de ontologia, mística e alteridade na obra de Cruz e Sousa, 2006), eram, claro, discursivas.
O discurso extravasa os limites da pessoalidade. Todo discurso implica o todo, arrasta o que lhe circunda. Não só espacialmente, mas também, num dado “horizonte de expectativa” (Jauss), temporalmente.
Aquelas paredes, o emparedamento de um sujeito, não circunscrevem, portanto, apenas uma realidade brasileira de fins de século XIX, não têm a data de um dado contexto.
Itamar Assumpção, no seu impagável “Preto Brás” (Atração, 1998), em pleno final dos anos 90, que o diga, e disse:
“sou cruz e sousa, zumbi, paulo leminski,
(ave Maria)
mas samba is another bag”
E disse depois de dizer, na abertura dessa obra prima (de Cruz) que
“porcaria na cultura
tanto bate até que fura”
Dias terríveis.
Cada um no seu canto, no seu portal, no seu site, no seu email, no seu blog... (este não é mais um blog, nada de pessoal, legal, au, au etc).
A solidão nunca esteve tão na moda, e de modo tão perverso, nada romântico: solidão pela solidão.
Há uma razão de ser, naturalmente, nessa solidão. Mas, como toda razão de ser, precisa ser colocada em xeque, precisa ser levada ao limite de si mesma, atingir a razão de ser mais, quem sabe sua desrazão.
A razão de ser: não há nada lá fora. Não me deixam falar. Só falam sobre futebol. Só escutam o pagode “segregamulher” (tomzé), o sertanojo. Só tomam sol.
A razão de ser mais: o outro humano começa no humano outro. Diria Lévinas, évidemment, acrescentando que é fundamental o encontro.
Encontrar, encantar-se.
Encontramento, encantamento.
Este blog não visa o lado de dentro sem fora.
Visa o lado de fora lá dentro, no meio da rua.
O que não se pode fazer em jornal, rádio, televisão. A liberdade de fazer de um modo outro, num outro formato, como um outro. Liberdade maior de voltar a ser outro, de encontrar o perdido outro de si mesmo, em si mesmo.
No lulismo enganador da nossa desilusão, no socioautoritarismo democrático, não há liberdade de expressão nem na Montes Claros de Darcy Ribeiro nem na São Paulo de Mário de Andrade, muito menos no Rio de Cartola e no Reciferido de Jommard Muniz de Brito e Frederico Barbosa.
Este blog é pra sair de si.
Entrar em si. Também.
This is Hegel.


terça-feira, 27 de janeiro de 2009

AFRICANIDADE | Mais uma falácia

ANELITO DE OLIVEIRA - Atualmente, tem crescido uma onda de contestação das cotas para afrodescendentes em universidades públicas, sob o argumento batido de que são injustas, de que são igualmente racistas, e mais: de que são estímulo ao conflito entre etnias de origem "africana" e "européia" no Brasil, entre aqueles que se reconhecem como negros e aqueles que se reconhecem como brancos. Falácia! Mais uma no país das falácias que precisa ser combatida para que não vire verdade e influencie a decisão do STF sobre o assunto este ano.
As cotas têm dado oportunidade a um número expressivo de negros de fazer um curso superior nas racistas universidades públicas brasileiras, especialmente nas federais. Estão tornando possível aquilo que foi sonho para inúmeras gerações de negros. Esta é a verdade que muitos não querem ouvir, sobretudo os que se consideram "não-racistas".
Quem são eles? São "leitores", intérpretes, da sociedade brasileira, mas equivocados, reducionistas. Não são leitores realmente críticos dessa sociedade. São, na maioria das vezes, movidos por um idealismo estéril, que os impede de conceber e, mais ainda, perceber o racismo em sua alta sofisticação, tal como se apresenta entre nós, penalizando e vitimando tanta gente.
Para esses "leitores", há racismo contra negros, por exemplo, somente quando há agressão física ou verbal e, mais ainda, os meios de comunicação social, principalmente a televisão, mostram em caráter de denúncia. Se os meios de comunicação não mostram, então não há racismo, mas apenas alguma grosseria que alguém cometeu em algum lugar da cidade, no trânsito, no Mineirão etc, contra um sujeito "de cor".
Agressões físicas e verbais, embasadas no fator racial, permeiam a cotidianidade brasileira de ponta a ponta, e ignorá-las, ou tratá-las como "humanas", típicas do convívio em sociedade, não passa de uma atitude covarde que consiste, antes de mais nada, num mascaramento da realidade. São agressões, sim, desumanas, próprias de quem não reconhece a humanidade do outro.
Todas essas agressões, das mais leves às mais graves, são manifestações da essência racista da sociedade brasileira, a essência que define a superfície dessa sociedade, e nossa obrigação básica, a de todo brasileiro, não só dos afrodescendentes, é diagnosticar essa essência e contribuir, de alguma forma, para extirpá-la, atitude fundamental para a erradicação futura do racismo. Esse diagnóstico exige senso crítico, formação escolar, acadêmica, consciência.Sem que o saibam, os "não-racistas", que insistem em acreditar no mito da "democracia racial", são os que enunciam, com maior eficácia, a razão maior das cotas: o reconhecimento do racismo na sociedade brasileira, e mais: o reconhecimento do lugar decisivo que o racismo ocupa na organização social brasileira. O que os "não-racistas" estão dizendo é, sem dúvida: somos contra as cotas, não queremos negros nas nossas belas universidades públicas. Ou não?
Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 08 de janeiro de 2009.

POLÍTICA | Os sentidos da chegada de Obama à Presidência

ANELITO DE OLIVEIRA - A chegada de Barack Obama à Presidência da ainda maior potência mundial tem sentidos diferentes para os Estados Unidos, África, Brasil e outras formações societárias, como as do conflituoso Oriente Médio. Para os EUA, tem sentido claro de uma resposta eficiente à crise econômica em que Bush mergulhou o país e consequente redefinição de prioridades daquele Estado, privilegiando-se os cidadãos mais do que a máquina de guerra, ainda que não em detrimento desta. Para a África, o sentido é o de poder contar com um "african man" à frente da Casa Branca, alguma garantia de que tantas tragédias, como a que assola o Congo neste momento, poderão ser tratadas com mais respeito, para além da retórica catolicista da ONU. E, para o Brasil, tem um sentido, sobretudo, moral, a afirmação de uma possibilidade historicamente empurrada para o campo das impossibilidades: negros na esfera de poder público.Em tempos de diplomacia festiva, sintonizada com o espírito petista, chega a ser natural uma expectativa positiva no que diz respeito às relações econômicas entre o Brasil e os EUA a partir de agora. Parece que Lula, Amorim, Mangabeira e companhia entendem que Obama será mais condescendente com o Brasil, mais amigo, do que seus antecessores. Ele é "inteligente" - disse Lula a afrodescendentes no ano passado, logo depois da vitória de Obama -, motivo pelo qual não pode errar, enfatizou o presidente, sob pena de atribuírem a culpa à sua cor e nunca mais elegerem um negro para a Presidência. A expectativa de Lula está diretamente ligada, portanto, ao dado étnico, que é fundamento também da expectativa dos seus assessores, egressos, em sua maioria, da racista elite socioeconômica brasileira, cujo terrível mérito é o de ter formatado e continuar formatando o ponto de vista de quase toda a população brasileira em termos de questão racial, de tal modo que é quase impossível encontrar alguém que não pense racialmente no Brasil.O fato é que Obama é estadunidense e foi eleito para ser presidente de uma nação com sua própria história, cultura, realidades e problemas, mas com a obrigação maior, inquestionável, de defender os interesses do seu povo. No exercício dessa obrigação, certamente terá que contrariar interesses locais e globais, momento em que, certamente, será acusado de errar, e racistas do mundo inteiro, a começar pelo Brasil, logo dirão: coisa de presidente negro, está se vendo? Entretanto, em face de toda a ópera horrorosa de Bush e de toda a pajelança sem graça e até nojenta que marca a era Lula, ninguém jamais disse: coisa de presidente branco ou pardo. As ações de um negro, onde quer que se dêem, sempre são passíveis de uma personalização que visa não só desestabilizá-lo, desqualificá-lo, mas dar uma injeção de baixa estima nos negros, dizer-lhes que seu lugar não é no poder público, à frente dos processos sociais... Felizmente, a possibilidade desse preconceito funcionar em relação a Obama é praticamente nenhuma. Comemoremos.
Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2009.

POLÍTICA | A diferença Obama

ANELITO DE OLIVEIRA Para além do fato de se tratar da maior potência econômica mundial, a mudança presidencial nos EUA nesta terça-feira deve interessar a brasileiros e não-estadunidenses pelo mundo afora porque se trata de um presidente outro, não apenas de um outro presidente, chegando à Casa de nome tão sugestivo. Não se esperava por essa chegada, não se acreditava que se processaria realmente, até os últimos momentos das eleições, e muitos, por trás da máscara cotidiana, ainda estão e estarão perplexos diante desse acontecimento, apesar dos esforços da mídia para naturalizá-lo, para tornar familiar o indiscutivelmente estranho: Obama isso, Obama aquilo. No Brasil, alguns investem nessa naturalização a partir de uma aproximação entre Obama e Lula, afirmando que um é tão diferente quanto outro, que, em outras palavras, negritude e sindicalismo estão numa espécie de relação de complementaridade. Mas é claro que são dimensões singulares, que se ligam a processos sociais específicos, que por isso mesmo não podem ser colocadas em relação de oposição.
A compreensão da diferença de Barack Obama, do lugar que a condição de negro, à revelia até dele mesmo, ocupa na conformação de sua singularidade política, exige a consideração das tantas opiniões, ou pelo menos de algumas, que vieram à tona durante a campanha eleitoral ano passado. Lembro-me especialmente de uma delas, que foi a de Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo e hoje deputada federal (PSB), enunciada no programa televisivo de Paulo Henrique Amorim, “Conversa Afiada” (Record). Melhor dizendo, era o desfecho de uma opinião, já que a prosa era mais ampla, girava em torno de algo como sociedade e humanismo hoje. Erundina disse que, se fosse cidadã estadunidense, votaria em Hillary Clinton, depois de insistir na tecla de que a solução para a crise social, em todos os sentidos, neste século, está na reforma do “projeto humano”. Tal declaração, até certo ponto previsível, acabou por ficar marcante – pelo menos para mim – em função da margem que deixava, naquele momento, e ainda deixa para se pensar até que ponto essa reforma, para Erundina e seus seguidores, implica determinações de gênero, raça, classe etc.
Ainda que não tenha sido esta a intenção de uma figura política tão ridicularizada por sua condição humanamente nordestina (como esquecer do “Ééérundina” do racista Paulo Francis?), Erundina acabou por colocar em relevo, em relação a Obama, uma suspeita histórica sobre os negros em geral, ignorada até por grande parte dos próprios negros: são comprometidos com o “projeto humano”? Essa suspeita está na base da diferença entre um negro e um sindicalista. De fato, Lula, durante os longos anos que marcaram sua ascensão à presidência, jamais esteve sob esse tipo de suspeita, e seu governo coincide (?) com um dos momentos mais desumanos da história do país: terrorismo das milícias, execuções sumárias pelas polícias, banalização da violência, prostituição infantil, trabalho escravo etc etc. O sindicalismo de Lula, sua imprecisa condição de trabalhador, sempre foi atestado de um humanismo cujo limite crítico parece que são as humilhantes bolsas, uma horrenda “coleira” no pescoço de tantos brasileiros. Que Obama seja comprometido com outro “projeto humano”, afim daquele “humanismo do outro homem” preconizado pelo lituano Emmanuel Lévinas, um humanismo a partir do outro, do negro.
Texto publicado no jornal Gazeta Nortemineira, Montes Claros, 24 de janeiro de 2009.

POLÍTICA | Governos e cidades

ANELITO DE OLIVEIRA - Ao fim-começo de cada governo, qualquer que seja, há uma tendência ao silêncio, sobretudo da parte daqueles que estão saindo, como se esta fosse a grande contribuição àqueles que darão início a uma nova jornada administrativa. Na verdade, esse silêncio acaba contribuindo mais para a afirmação de um ponto de vista bastante nocivo ao país - enunciado recentemente, inclusive, por Lula como forma de alfinetar FHC mais uma vez -, que é aquele de que cada experiência governamental restringe-se a si mesma, nada tendo a ver com aquela experiência que a precedeu, tampouco com a experiência que a sucederá. Logo, essa experiência consistiria em governar o governo, na qual o objeto que se governa seria o próprio governo, o que é, naturalmente, um absurdo.
Se o que se governa, durante um determinado tempo, é a famigerada “polis”, a cidade como lugar e como entidade jurídica, não há motivo para o silêncio de quem está saindo ou para o barulho de quem está chegando, causando a impressão de que um grupo desceu à estaca zero, ao fracasso, e outro está partindo também da estaca zero, de uma outra, começando uma vida totalmente nova num ano igualmente novo. A cidade constitui um referencial identitário entre um governo e outro, um tronco que, a contrapelo de partidos e ideologias, irmana os diversos governos: é a cidade que identifica a comunidade de ex-governantes, governantes atuais e potenciais, cuja diferença, em relação aos governados, reside justamente no fato de se identificarem com um mesmo objeto: identidade é o que remete a uma esfera comum.
O que interessa a todos os governantes é a operacionalização da cidade, fundamento inicial da luta pelo espaço de poder público, que vem sempre acompanhada por um ideal de justiça social, o que desperta a confiança do eleitorado. Todavia, nos primeiros meses de qualquer governo, vai-se comprovando um dado que só pode ser atribuído a uma pouca ou nenhuma responsabilidade dos governantes com a cidade: há mais problemas do que esperavam, muitos até insolúveis nos habituais tempo (curto prazo) e espaço (local). E geralmente essa sensação de insolubilidade passa, no caso dos municípios, pela escassez de recursos financeiros, que são os únicos que existem, lamentavelmente, para grande parte dos agentes políticos municipais: sem dinheiro, não há governo.
Essa dupla decepção, a que os eleitos para governar estão sempre suscetíveis, mesmo em tempo de lei de responsabilidade fiscal, poderia ser evitada, ou pelo menos amenizada, caso houvesse interação, diálogo, entre governo que se vai e governo que chega. Ambos ganhariam muito: o que se vai provaria, à opinião pública, sua transparência e capitalizaria prestígio para futura investida eleitoral; o que chega, ficaria desobrigado de resolver problemas criados pelo seu antecessor, sobretudo aqueles que extrapolam o campo financeiro e não são, portanto, levados em consideração por CGU (Corregedoria Geral da União), TC (Tribunal de Contas), problemas de ordem política, com sua substância simbólica, que resultam em prejuízo para a cidade. Ex: o que se pode considerar um “obrismo”, tributário de uma idéia simplista de desenvolvimento.
A cada fim de administração municipal, é fácil ver a alteração do “rosto” de uma cidade, e concluir que já não é mais a mesma, que foi “ressignificada”. Em BH, as novas Antônio Carlos e Cristiano Machado, a nova Praça da Estação, o “Boulevard” Arrudas etc. Na Montes Claros de Darcy Ribeiro, as novas Praças da Matriz e da Igreja Rosa Mística, o novo Quarteirão do Povo, as Câmeras de registrar contravenções e contraventores no centro da cidade etc. Essas obras – melhor dizendo: esse canteiro de obras – resultaram, evidentemente, de uma escolha que os governantes dessas cidades, que agora estão saindo, fizeram em detrimento de outras possíveis escolhas, como a de investir em processos de desenvolvimento humano: culturalidades, educatividades, sociabilidades etc. A seu favor, esses governantes têm o conceito – suspeitável, como tudo na vida – de “orçamento participativo”.
Não é difícil perceber que nessas cidades, a exemplo dos demais grandes centros do país, a começar pelo monumental monumento ao desenvolvimentismo (Brasília), a contraparte do “obrismo” tem sido o recrudescimento do desumanismo, com um aumento assustador da criminalidade. Em Montes Claros, são quase cem assassinatos brutais somente este ano, o que a coloca entre as cidades mais violentas do Estado. Pode-se atribuir isso – como se tem feito – às drogas, mas esta é uma justificativa genérica à qual nem mesmo as polícias têm totalmente direito; a sociedade merece toda eficácia dos poderes constituídos. A verdade básica é que assassinos e assassinados, violentadores e violentados, são, em sua maioria, jovens que andam a pé pela Antonio Carlos e não têm a serenidade necessária para curtir as praças de Montes Claros, situações cuja superação exige um gesto político novo dos governantes.
Obviamente, o desumanismo que vai tornando insuportável a vida nas cidades brasileiras não é privilégio nosso, também está presente pelo mundo afora, mas o fato é que aqui ele tem seus alvos bem definidos pela cor, raça, classe, gênero, idade etc. Há aqueles, a grande maioria, que estão mais sujeitos à agressão e à morte, que são exatamente os que mais dependem da cidade, do espaço urbano, para trabalhar, estudar, morar etc, que vivem (e morrem também) a cidade. E há aqueles, a minoria, que têm uma relação estratégica com a cidade, altamente segura. Nessa minoria, encontram-se praticamente todos os governantes, que precisam, por isso mesmo, aprender o tempo todo o que é a cidade que está, estará, sob sua responsabilidade. Aprendizado que, em paragens mais amadurecidas democraticamente (EUA, Europa), começa pelo diálogo entre quem governou e quem vai governar. Civilidade.
Texto publicado no jornal O Norte de Minas, Montes Claros, 13 de janeiro de 2009.